Uma perspectiva empirista sobre o público jovem e o futebol

Pesquisas de torcida na Serie A apontam perda do público jovem; mas até que ponto a “perda dos jovens” é um problema real?

Nos últimos tempos, uma das discussões mais comuns no meio do futebol e até mesmo no meio do esporte, e que permeou até mesmo as discussões da malsucedida até o momento Superliga Europeia, foi uma tese de que os jovens não estariam mais se interessando pelo esporte, especialmente o futebol. 

Um novo capítulo dessa discussão foi visto na última pesquisa de torcidas feita na Itália. A pesquisa anual feita pela StageUp e Ipsos percebeu uma queda de 25,3 milhões de torcedores das equipes da Serie A italiana em 2019–20 para 24,6 milhões de torcedores nas 2020–21.

A pesquisa notou queda de torcedores em algumas equipes, especialmente em Juventus, Napoli, Fiorentina e Torino, e outras subidas acentuadas, como nos casos de Atalanta, Inter e Milan. E dentre essas perdas, a maior parte seria de torcedores jovens, da faixa de 16 a 24 anos, que não se interessariam tanto pelo futebol nos tempos do lockdown. 

É bem verdade que a pesquisa ignora um quarto da população italiana. Isso dá vazão a um argumento mais recente de que em meio a concorrência com outras plataformas, os jovens não teriam interesse pelo futebol. Essa parte é costumeiramente discutida por conta de argumentos científicos, algo visto na última pesquisa da ECA (Associação de Clubes Europeus), feita em Inglaterra, Espanha, Alemanha, Polônia, Holanda, Índia e Brasil.

A última pesquisa de torcedores da Serie A italiana em 2021 (Foto: La Gazzetta dello Sport/@nonleggerlo)

Na pesquisa feita com jovens de diversas idades, a partir de 13 anos, 29% declararam a época que “pararam de acompanhar futebol por ter algo melhor pra fazer”, e cerca de 27% dos entrevistados declararam não ter interesse no futebol, com cerca de 13% chegando a dizer que odiavam futebol.

Mas não parece verdade que, supostamente, os jovens estejam desistindo do futebol: quando perguntados “por que você acompanha futebol”, cerca de 49% disse “para torcer”, enquanto a outra metade declarou que o faz “para se divertir”, “para socializar” e “para ver grandes jogos”.

Apresentadas as razões científicas, permitam-me discutir essas questões também sob um ponto de vista empírico. Ponto de vista esse conquistado após conversas com jovens da mesma chamada “geração Z”, com os “millenials”, e até sob diversas perspectivas que podem ser analisadas e debater essa questão. Por que, supostamente, o jovem estaria abandonando o esporte?

Primeiro, há de se contextualizar o público e o porquê nas pesquisas de torcida, as vezes acontece de uma cair mais do que a outra. Vale dizer sobre o recorte, que nessa última pesquisa, foi entre 14 e 64 anos, o que em tempos de aumento de expectativa de vida e população mais envelhecida, faz uma grande diferença.

Em uma pesquisa de torcida, há um fator fundamental: o saco cheio do esporte e do clube que se abate na má fase da parte do torcedor menos engajado, a indiferença que resulta disso, ou até a preferência por outro clube, em caso de ser um torcedor que tenha uma simpatia por mais de um time.

No caso dos jovens, mais do que em outras categorias, há um certo “vai-vem” de interesse em coisas da vida. Um momento de situações em que há interesses difusos, de inserção no ambiente universitário, e de inserção no mercado de trabalho, o que consome o tempo deste público.

Neste “vai-vem” da vida, é natural que torcedores de clubes que não tenham grandes aspirações na temporada, deixem o engajamento por seu clube e até mesmo pelo esporte pela desmotivação de um time que lhe faça sonhar com a glória. 

Em um cenário de clube grande apenas lutando por uma vaga na Conference League, como foi o caso da Roma, na última temporada, como o torcedor romanista, que tanto lutou por títulos, por vagas em Champions League, pode se mobilizar em uma temporada que “não dá retorno”?

Se o torcedor médio, fanático, já se desmobiliza em certos contextos de temporada, por que esperar que o torcedor que não é fanático se mobilize pra determinados contextos de temporada? Será que as pesquisas apenas refletem a falta de mobilização ao jogo em vez do “gostar ou não” do jogo?

Nestes contextos, se entende o torcedor que muitas vezes, é menos ligado ao esporte, e procura fazer também outras coisas, que acaba por assistir os grandes jogos. Se as equipes não frequentam grandes jogos, o interesse acaba por baixar (a menos que se queira entrar neles na base da canetada, como no caso da Superliga). 

É de se ressaltar também, a maneira com que muitos da atual geração tratam o tempo, sendo uma espécie de investimento, como se um jogo ruim na televisão tirasse seu tempo, e até mesmo uma ida ao estádio em caso de resultado ruim lhe tirasse seu tempo e seu dinheiro, em um caso curioso de comportamentos. 

Sobre a pesquisa da ECA de 2020, vale ressaltar alguns pontos. Será que por muitas vezes não se procura demais torcedores que já não estariam interessados no esporte de qualquer forma? O caminho não poderia ser valorizar os torcedores que você já tem, com melhor tratamento, e melhores ações com eles?

Por diversas vezes, no Brasil, na Itália e em qualquer lugar, a proporção de não-torcedores, ou de “sem clube”, segue nesta faixa de 20 a 25%, algo próximo de um quarto dos entrevistados, como ocorre em países da América do Sul, como o Brasil e o Uruguai. Na pesquisa da ECA, foram 27%, algo, na margem de erro, dentro dessa faixa. 

E nesta pesquisa da StageUp/Ipsos, vale ressaltar, que em um contexto de pouco mais de 60 milhões de habitantes na Itália, é quase como definir, considerando equipes da Serie B, que não foram postas na pesquisa, e com a população mais velha do país, que um a cada dois italianos se interessam pelo futebol. 

Ou seja, é de se perceber que a crise não é tão grande quanto parece. O público segue na mesma proporção que sempre esteve. O que mudou foram as formas de avaliar o porquê este ou aquele não seguem o esporte, além das formas de conquistar eventuais novos torcedores.

Mas, por outro lado, é importante que o esporte perceba o poder de se afastar da sua audiência com base na expectativa de dinheiro. É importante que o futebol perceba o erro que outros esportes cometeram na busca por mais ganhos. 

Especialmente o de se afastar da TV aberta. Alguns esportes pelo mundo tiveram perda de público. É o famoso caso em que as cúpulas de dirigentes quiseram lucrar mais, e acabaram por perder uma parcela de seu público. Aconteceu com o críquete no Reino Unido, com o beisebol nos EUA, e com o vôlei, de certa forma, no Brasil. 

Um sinal de alerta pode ser feito com as novas maneiras de transmissão. Ainda que supostamente o streaming seja uma crescente, a ausência de transmissões em TV aberta, em um contexto de mais massa, pode fazer com que o público se afugente, tendo em vista que poderia ter de fazer maiores esforços para ver seu esporte favorito, em algo que podemos discutir mais adiante. 

Mas não é preciso fazer ideias mirabolantes, como mudar a duração de uma partida de futebol para conquistar novos públicos. Basta valorizar o seu próprio espetáculo. E o caminho pode estar mesmo em outros esportes, como na Fórmula 1, que registrou seu número de seguidores em Facebook, Instagram, Twitter e YouTube aumentar em 32% em 2019.

Este número aumentou em meio a febre “Drive to Survive”, série da Netflix que mostra equipes e pilotos da categoria em seus bastidores e sua vida pessoal sob uma perspectiva humanizada, e aumentaram o interesse do público geral, mesmo em um contexto de categoria altamente dominada por um piloto, Lewis Hamilton, e uma só equipe, a Mercedes.

Todo esse aspecto aproxima mais os “artistas do espetáculo” do seu público. E o futebol poderia aprender com esse aspecto. Além disso, o “respeitável público” também deveria receber melhor tratamento nos estádios e fora dele pelo mundo afora, com equipamentos esportivos em melhor qualidade, e transmissões feitas com o melhor tipo de profissionalismo, nos melhores contextos para que o público seja valorizado. 

O esporte, e acima de tudo o futebol, precisa compreender que o público pode ser um fenômeno que vai e vem, como uma onda. Mas ao mesmo tempo, precisa procurar maneiras de fazer por onde que o público esteja a seu lado e não seja perdido. E compreender como e por quê os torcedores se mobilizam ou não para debatermos o futuro do esporte, proposta que essa coluna está fazendo agora.

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