¡Adiós, Monarcas!
Quase que num estalar de dedos, o Monarcas Morelia saiu de cena para dar lugar ao Mazatlán FC. Como foi possível um time com 70 anos de história ser extinto de uma hora para outra?
As últimas semanas reservaram um golpe duro para a torcida do Monarcas Morelia e um acontecimento pouco usual. Se nas grandes ligas esportivas norte-americanas, como NFL e NBA, é rotina vermos equipes mudando de cidades conforme seus interesses econômicos, no futebol é raro isso ocorrer. Entretanto, no México, isso é mais comum do que parece.
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Um exemplo disto é o Necaxa, que em 2003, deixou a Cidade do México para se estabelecer no município de Aguascalientes, buscando um protagonismo que não conseguia diante da disputa pela atenção na capital do país com América, Cruz Azul e Pumas. Outro caso de mudança de sede – e este bem mais explícito – é o do Atlante. Ao longo de sua história, os potros alteraram sua localidade nada menos do que cinco vezes. Em seus 101 anos, já passou pela Cidade do México por três vezes, por Querétaro, por Nezahualcóyotl e, desde 2007, atua em Cancún.
Agora, o (não mais) Monarcas entra para esta lista.
Se Necaxa e Atlante conseguiram manter suas identidades ao longo de suas peregrinações, os canários sofreram com uma reformulação completa. A mudança não foi apenas de cidade. Nome, escudo e cores também foram repaginados. É como se uma borracha fosse passada no clube de Morelia.
No seu lugar, surge o Mazatlán FC. Saindo do centro do território mexicano, a nova equipe firma suas bases às margens do Pacífico, na cidade homônima ao time, localizada no estado de Sinaloa. O tradicional vermelho e amarelo deu lugar ao roxo, com um escudo repleto de referências portuárias, já que ali está um dos principais portos do México.
Um câmbio profundo, traumático, praticamente sem aviso prévio e que deixará milhares de torcedores desamparados. Mas afinal, como isso se tornou possível e o que está por trás deste processo de transformação do Monarcas Morelia em Mazatlán FC?
Um bom começo para explicar tudo isso é o modelo de negócios estabelecido no futebol mexicano. Grande parte dos clubes funcionam sob o regime de sociedade anônima, com donos e acionistas controlando os rumos das equipes. No caso do Monarcas Morelia, quem detinha sua propriedade era a TV Azteca, inserida debaixo do guarda-chuva do grande conglomerado empresarial Grupo Salinas. Dentro desta lógica, se for da vontade da administração corporativa, os clubes com este modelo vigente podem sofrer mudanças caso haja alguma vantagem para isso. E foi exatamente a razão para que a ida a Sinaloa fosse concretizada.
Sem interesse em investir o próprio dinheiro no clube, a TV Azteca pediu 400 milhões de pesos mexicanos (R$ 93 milhões) por ano ao governo do estado de Michoacán, onde fica Morelia, para manter o time por lá. Porém, em um cenário de crise gerada pela pandemia e com a urgência de focar os recursos econômicos para contornar tal situação, a proposta foi recusada. Vale lembrar, em meio a tudo, que Ricardo Salinas, empresário fundador e presidente do grupo que leva seu sobrenome, é o segundo homem mais rico do México.
Diante da recusa de Michoacán, o governo de Sinaloa se interessou e propôs o pagamento anual de 500 milhões de pesos (R$ 117 milhões) e o direito de uso do novo estádio construído em Mazatlán, com capacidade para 25 mil pessoas. Foi mais do que o suficiente para que o Monarcas fizesse as malas para uma viagem que culminaria com o seu fim.
O interesse do governo de Sinaloa em receber uma equipe da Liga MX também não é acaso. A imagem internacional da região está constantemente relacionada ao cartel do narcotráfico que domina a costa oeste do México, e que conquistou muita força nos anos 90, com a liderança de El Chapo Guzmán. Para construir e solidificar uma nova reputação, o governador do estado, Quirino Ordaz, vê no futebol e no turismo os alicerces perfeitos, como declarou em entrevista ao periódico mexicano Proceso.
“Imagine todo o turismo que isso irá atrair, os negócios para o transporte e para o comércio. A cada duas semanas, as pessoas irão querer estar no estádio assistindo. Vai mudar a nossa imagem, para que vejam a verdadeira face dos sinaloenses. Isso moverá multidões.”
Quirino Ordaz, governador de Sinaloa
Os reflexos dentro de campo
A chance de jogadores pedirem a rescisão contratual devido a mudança de cidade foi real. As leis trabalhistas mexicanas oferecem garantias a quem, eventualmente, se vê obrigado a alterar sua residência ou condição de trabalho de maneira unilateral em um processo de realocação. Assim, caso fosse desejo de algum atleta, poderia ser solicitada a análise das cláusulas do vínculo e, se não houvesse menção à modificação de sede, entrar com a solicitação para a quebra.
Mas ao menos isso não foi problema. O elenco que vestia a camisa do Monarcas Morelia seguiu a caravana e tomou o rumo de Mazatlán. Inclusive, já treinam com as suas novas cores para dar o pontapé inicial na história do novo clube. Só que uma outra questão já é observada de perto.
Vários jogadores possuem seus vínculos chegando ao fim no apagar das luzes de junho. De imediato, o Mazatlán precisará demonstrar seu poder de negociação logo nos primeiros atos de sua existência, seja para renovações ou para novas contratações.
A chegada na nova cidade também reservou novidades no comando técnico da equipe. Pablo Guede, contratado em agosto do ano passado, havia deixado o ainda Monarcas Morelia no final de maio. Para esta nova fase, um nome bastante familiar do público – ao menos por seus anos como jogador – assume a casamata: Francisco Palencia. O ex-atacante do Cruz Azul e da Seleção Mexicana vai para seu quarto trabalho como treinador, agora com a missão de atribuir identidade a um projeto completamente novo.
Para a equipe feminina, entretanto, a realidade foi bastante diferente. As jogadoras que atuavam pelo Monarcas tinham seus contratos se encerrando em 31 de maio e o elenco passou por semanas de incerteza, sem saber se seguiriam para Mazatlán com novos vínculos ou seriam dispensadas.
Por fim, após a concretização da mudança, receberam uma proposta para vestir a nova camisa, com salários entre 6 e 9 mil pesos mexicanos (entre R$ 1400 e R$ 2100). A baixa compensação diante dos gastos pessoais que teriam para acompanhar o clube e as dúvidas em relação a estrutura que seria oferecida fez com que a maioria das atletas recusassem a proposta.
Agora, uma reformulação completa deve se iniciar na equipe feminina, e a responsável por guiar este processo já foi definida. Se trata de Jessica Castañeda, que será Diretora de Futebol Feminino após passagem pelo time feminino do Tigres como Gerente de Comunicação e Relações Públicas.
A reação de quem se tornou órfão e o futuro do futebol em Morelia
Por óbvio, a repercussão desta mudança foi absolutamente negativa entre os torcedores do Monarcas. Mesmo com a necessidade dos cuidados para evitar o contágio pelo Covid-19, milhares de torcedores tomaram as ruas da cidade de Morelia em uma caravana pedindo para que o clube não deixasse seu berço.
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Nas redes sociais, também começa a se fortalecer o movimento para que uma nova equipe seja fundada, com o apoio de empresários locais, personalidades da história do Monarcas e da torcida local. Encabeçado pelo ídolo e maior artilheiro canário, Marco Antônio Figueroa, o projeto está nos seus trâmites iniciais para sair do papel e virar realidade.
O grande problema, entretanto, é que a divisão de elite é sonho distante neste começo de caminhada. Durante esta pandemia, os mandatários do futebol mexicano decidiram extinguir rebaixamentos e acessos pelas próximas seis temporadas. Além disso, a Ascenso MX, segunda divisão mexicana, foi transformada em uma liga de desenvolvimento, onde a ideia inicial era fazer dos clubes participantes uma espécie de “laboratório” para os times da Liga MX, com jogadores de até 23 anos de idade.
Caso consiga regularizar sua situação, o novo clube de Morelia ingressaria neste escalão. Mas há esperança de que o cenário da extinção de promoções de divisão mude. Em entrevista recente para a Fox Sports, o presidente da Liga MX, Enrique Bonilla, deixou em aberto a possibilidade de ascensão nos próximos anos, embora os rebaixamentos sigam anulados.
“Há de se ver o panorama geral para que se saiba porque algumas decisões são tomadas e se elas serão corretas no futuro. Ou seja, na temporada 2020/21 e 2021/22, nenhuma equipe de divisão inferior participará da Liga MX. Uma equipe poderá participar a partir de 2022/23, desde que atenda os requisitos de consolidação financeira, administrativa, de infraestrutura e que tenham conquistado o acesso de maneira desportiva”
Enrique Bonilla, presidente da Liga MX
Todo este processo abriu uma dolorosa cicatriz na moral dos fanáticos da monarquia. Como despedida, não receberam nada além de uma fria nota de agradecimento, que pouco se equipara à paixão e a fidelidade que entregaram durante todos estes anos no Estádio Morelos. A esperança de dias melhores para a nação vermelha e amarela vive, assim como soa um sinal de alerta para outros clubes mexicanos.
Nas últimas semanas, a especulação sobre o Atlante (vejam só…) adquirir os direitos de franquia pertencentes ao Querétaro ganhou espaço. Os Gallos Blancos, que eram comandados pelo Grupo Caliente, foram vendidos a um grupo de investidores que também possui parte da equipe de Cancún. Desta forma, o Atlante encontraria uma brecha para retornar à Liga MX e, mais uma vez, mudar de sede.
Mesmo com todas as negociatas, a liga não parece demonstrar o menor interesse em frear tais manobras, que são realizadas nos mais tênues limites dos regulamentos e da lei. Reféns, os torcedores acompanham sem poder fazer nada, apenas rogando para que não se encontrem na mesma situação da massa monarca.
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