AS FACES DA PROPOSIÇÃO
Por @BolivarSilveira Futebol é um jogo regido pelo aleatório e pela sorte, onde desde o princípio os treinadores tentam sistematizar o incerto para chegar ao delírio das massas; o gol. Certa feita Cruyff disse: “sem a bola você não tem como vencer. Se a bola é nossa, eles não têm como marcar”. O holandês gostava de […]
Por @BolivarSilveira
Futebol é um jogo regido pelo aleatório e pela sorte, onde desde o princípio os treinadores tentam sistematizar o incerto para chegar ao delírio das massas; o gol. Certa feita Cruyff disse: “sem a bola você não tem como vencer. Se a bola é nossa, eles não têm como marcar”. O holandês gostava de ter a bola para chegar às redes. A obsessão pela posse se desenvolveu com seu treinador dos tempos de Ajax, Seleção Holandesa e Barcelona, Rinus Michels. A Holanda do Mundial de 1974, liderada por estes dois ícones, definitivamente foi um time que marcou todos por desenvolver um jogo atrativo e eficiente com posse de bola e intensa movimentação.
34 anos depois, em 2008, o jovem Guardiola, que havia sido comandado por Cruyff, assumiu o Barcelona e despertou novamente nos torcedores a alegria do futebol de toques. Concomitantemente, José Mourinho empilhava títulos com um futebol pragmático e reativo, baseado na ocupação de espaços, limitando campo ao adversário e aproveitando os defeitos do rival. A discussão do jogo propositivo versus reativo estava feita. Mas, fugindo desta dualidade, será que só existe uma maneira de propor o jogo? Todos os times que pautam seu modelo pela posse jogam do mesmo jeito? O futebol nos responde que não. Existem diferentes estilos de jogar tendo o domínio da bola.
O futebol atual possui alguns pilares do jogo de posse: Wenger, Guardiola e Del Bosque. Todos com momentos ímpares na carreira. O francês foi o arquiteto do Arsenal campeão Invicto da Premier League 2003/2004; o catalão, o autor do Barcelona dos meio campistas criados em La Masia, um dos mais geniais da história do clube; e, por fim, Del Bosque, o comandante da única Espanha campeã mundial.
PEP GUARDIOLA
Guardiola cresceu sob a tutela de Cruyff. O ex-craque da Laranja Mecânica ensinou o jovem catalão que o adversário só o venceria se tivesse a posse, então, quando perde-la, seria necessário retomar seu controle o mais rápido possível.
Assim Pep Guardiola preconiza suas equipes: ter a bola é um dever. Depois de dominá-la é importante ter paciência na construção do movimento ofensivo, distanciando os jogadores entre si e alargando o campo. Então, quando chegar nos últimos 30 metros, se soltar e partir em verticalidade para o gol. Esta liberdade deixava Messi confortável, como se passeasse pelas calles úmidas de Rosário, quando na verdade estava em um Santiago Bernabeu lotado. A paciência para construir a transição, somada por amplitude, entrosamento entre companheiros que jogam juntos desde as categorias de base e intensidade foram responsáveis por um dos times mais vencedores de todos os tempos.
Ninguém melhor que Henry para explicar o conceito de Guardiola no Barcelona.
ÁRSENE WENGER
Wenger já viveu momentos de maior estabilidade no cargo e apreço com a torcida. O francês possui suas convicções sobre futebol e raramente as deixa de lado. O técnico dos Gunners prima pela posse de bola, mas nada de paciência e jogo horizontal, Wenger gosta de lateralizarão e verticalidade. Em 2003/2004, Ársene hasteou a bandeira pelo fim do Kick-and-Rush na Terra da Rainha. Era tempo de fazer a bola rolar pelo gramado. Seu Arsenal possuía intensa mobilidade e um jogo baseado nos lados do campo, com muito uso da referência como alvo para cruzamentos e infiltração de jogadores.
A liberdade, intensidade e movimentação que Guardiola pede aos seus times no ultimo terço, Wenger adere em toda extensão do gramado. Em 2017 o Arsenal teve 60,24% de posse de bola, tendo média de 508,6 passes trocados por jogo, dois gols feitos e um sofrido por partida.
VICENTE DEL BOSQUE
Diferentemente de Guardiola e Wenger, Del Bosque prefere ter a posse para conter o avanço dos adversários. A principal virtude de Espanha de 2010 foi não ceder a bola ao rival, saber administra-la a cada passe e ser pragmática quando surgir a oportunidade de marcar. Ao abrir o placar a ordem era recuperar a bola e “esfriar” o jogo. O famoso Tiki-Taka que Guardiola tanto critica. “Eu odeio essa história de passar por passar, esse Tiki-Taka. Não tem propósito. Você precisa passar a bola com uma intenção clara, com o objetivo de chegar ao gol adversário. Não é passar a bola só por passar. Eu odeio o Tiki-Taka”. Contrariando Guardiola, a Fúria de Del Bosque adotou este mecanismo de controle passivo do primeiro ao último minuto para sagrar-se campeão mundial.
Os números jogam a favor desta pragmática e defensiva Espanha. Durante os sete jogos da Copa do Mundo a o time de Del Bosque obteve 58% de posse, trocou 501 passes por jogo e fez 1,14 gols, sofrendo apenas 0,26. O único revés sofrido pelos espanhóis na competição foi contra a Suíça, uma reconhecida fortaleza defensiva. Atrás do marcador a Espanha se viu obrigada a mudar o plano inicial e sofreu sua primeira e única derrota na competição.
O time espanhol construía predominantemente pela faixa central do gramado, tendo nos meio-campistas do Barcelona – Xavi, Iniesta e Busquets – suas principais peças principais nesta estratégia defensiva e em David Villa uma arma letal para verticalizar o jogo.
Bons times não passam melhor a bola do que equipes fracas. Eles simplesmente trocam mais passes “fáceis”, em posições melhores, limitando assim a perda da bola. É importante entender que, para encontrar um companheiro em melhor posição, é necessário que ele se desmarque. Estar em movimento, ocupando o espaço vazio, é vital para manter a posse produtiva. Em média 53,4 segundos é o tempo que um jogador fica com a bola durante a partida, e percorre apenas 191 metros com ela. Isto representa 1% do tempo de jogo e 1,5% do trajeto percorrido. A qualidade do passe é menos importante em relação ao movimento da equipe.
É possível jogar retendo a bola de diferentes maneiras: usando-a para se defender do adversário, para construir uma melhor oportunidade de gol ou para confundir e desorientar seu oponente. O jogo propositivo não é uniforme; ele se difere de acordo com os jogadores e objetivos do time.
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