As teorias de Massimiliano Allegri e como elas se aplicam (ou não)
Discussões sobre o Milan de Sacchi, o guardiolismo, o papel dos defensores citando o Napoli, e outras crendices de Max
Na última semana, Massimiliano Allegri, histórico treinador de Juventus, Milan e Cagliari, deu entrevista ao jornalista Mario Sconcerti, do Corriere della Sera, e mostrou seu lado teórico quanto ao futebol praticado e sua vivência.
É uma das raras entrevistas de Allegri após deixar a Juventus, em que promete que deve ser um ano sabático, e que voltará a ser treinador na próxima temporada, e a partir disso, vamos recuperar trechos da entrevista abaixo:
Mario Sconcerti: Massimiliano Allegri, como o futebol é visto de fora?
Allegri: “Há duas coisas acima das outras: a primeira é que os jogadores africanos estão movendo o futebol para o lado físico. A qualidade continua sendo fundamental, mas a base do futebol está mudando. A segunda é que estou revendo um ótimo retorno do contra-ataque”.
Um contra-ataque?
“Sim, seguimos por vinte anos Guardiola equivocando-se. Guardiola contava apenas sua exceção, não era um futebol para todos. O histórico Barcelona nasceu com três grandes jogadores que pressionam alto e empurram as defesas adversárias dentro de sua área. Por sua vez, os meio-campistas sobem e entram [na área adversária] e sua defesa pode chegar à metade do campo. Mas você deve ter Iniesta, Xavi e Messi. Tomamos como lição comum um tópico que apenas os dizia respeito”.
E o contra-ataque?
“É um dos meus tópicos sensíveis. Quando ouço Sacchi falando sobre segurar a bola e ter atitudes proativas, não entendo o que ele diz e fico com raiva. Por que não deveria ser proativo tocar verticalmente, por que deveria ser vinte passos de um metro? Vi os jogos de Sacchi vinte vezes, lembro-me daquele em San Siro, onde o Milan marcou cinco gols no Real. Ele jogou direito, como um fuso. Enquanto o Real trocava a bola com calma. Era um Milan vertical, exatamente de contra-ataque, o que não é fácil, mas quando consegue, é um ótimo show”.
Neste trecho cabe o primeiro entre parênteses com os comentários sobre a ideologia allegriana. Aqui, discordo por alguns pontos:
Primeiro, o fato de que a ideologia de jogo de Guardiola só serve para ele. Errado, que o diga quem o substituiu na Juventus. Sarri assumiu justamente porque a Juve procurava por um jogo que fosse mais alinhado ao guardiolismo e ao método praticado na Europa e consagrado nas grandes ligas do continente.
Que o digam as sementes do jogo coletivo que andam florescendo na Itália, não apenas com Sarri, mas com Fonseca na Roma, com De Zerbi no Sassuolo, e principalmente o trabalho de Gasperini na Atalanta, com bons híbridos como Inzaghi na Lazio e um cada vez mais ao ataque Maran ao Cagliari.
Aqui, cabe uma explicação sobre o jogo do Milan de Sacchi: O Milan de Sacchi era um time que usava troca vertical de passes, mas isso não o tornava um time de contra-ataque. A bola é uma ferramenta para Sacchi, assim como os espaços, e isso serve à equipe para impor seu contexto de jogo aos adversários. Isso significava que Sacchi teria uma equipe proativa, que criava as jogadas. O contra-ataque para Sacchi é apenas a tática que prevê a renúncia à criação de ações de jogo que não surjam do erro de um adversário em uma zona ofensiva.
O Milan criava ações de jogo tentando se ordenar e atrapalhar o oponente. O fato de que, na famosa semifinal da Champions contra o Real Madrid (vale o texto do L’Ultimo Uomo sobre esse jogo), a troca de passes passou verticalmente por três homens — Baresi-Ancelotti-Gullit — mostra apenas que os adversários não foram capazes de contrariar a velocidade de execução do Milan , não que o time tenha jogado no contra-ataque. Havia contra-ataques, sim, mas também houve maciçamente gerenciamento da posse bola com passes curtos. O que importa é que sempre houve a necessidade de impor o jogo usando dois instrumentos: a bola e o espaço.
Além do fato de que a ideia de “jogadores africanos” é facilmente rebatida por jogadores que usam o físico de diversas nacionalidades do mundo. De crenças e não de fatos e opiniões científicas, que aliás, jamais provaram algo do tipo em anos de pesquisa e em diversos pontos do esporte.
Voltemos a pontos da entrevista:
Continuando na revisão, existem outras descobertas interessantes?
“A importância dos jogadores e o verdadeiro papel do treinador”.
Em que sentido é o verdadeiro papel?
“Que os esquemas não existem, não há inteligência artificial, conta o técnico. A partir de janeiro, colocarão os tablets à disposição do banco [de reservas]. Você saberá quais são os lugares do campo mais populares. Pra fazer o que? Para resumir em uma frase aquilo que eu já vi. O futebol é um campo, não um universo. As coisas mentem, elas tocam, não importa ser muito eletrônico. Você precisa de um treinador que saiba fazer o trabalho dele aos domingos, é o dia em que você precisa ser técnico. O resto depende dos jogadores, de sua diversidade. Hoje, vejo o futebol dos meninos, os amadores, converso com os treinadores e ouço coisas que me assustam, eles falam como livros impressos, como televisões, são os slogans mais frequentes derramados sobre os meninos que, por sua vez, trocam futebol com outro conjunto de slogans”.
O que você quer dizer quando fala sobre a simplicidade do futebol e a lógica dos papéis?
“Eu dou um exemplo. Koulibaly, Manolas e Albiol, três grandes jogadores treinados por um técnico, Ancelotti, que eu respeito muito. O professor ali no meio era Albiol, por características técnicas, ou seja, por leituras de situações, por capacidade de intuir o andamento das ações. Koulibaly é excepcional fisicamente, menos no outro aspecto. Manolas é muito bom na marcação ao homem, menos inclinado do que Koulibaly na ideia coletiva. Na minha opinião, o futebol é entender isso, as qualidades individuais aplicadas às situações individuais. Não é um esquema em si. Um homem que se integra e se completa com o outro para formar um departamento. Isso não é informado por um número, um tablet ou um algoritmo. Ou você sente isso sozinho ou nunca entenderá o jogo. Por esta razão, estou convencido de que o treinador é reconhecido apenas no dia da partida”.
Neste aspecto, Allegri parece ser cético demais quanto a importância da análise de desempenho, de eficiência testada e comprovada dentro do esporte. Parece até mesmo desprezar a ciência no futebol, enquanto ao mesmo tempo, é contraditório.
É um discurso um tanto quanto curioso, porque Allegri prega algo contra os “filósofos do futebol”, com….. um discurso filosófico. Embora seja um trecho interessante da entrevista por conta do aspecto campo e bola que ele põe em vista.
Mas no aspecto de campo e bola, talvez a sua explicação e o seu entendimento sobre o papel da dupla Manolas e Koulibaly, explique um pouco das dificuldades do entrosamento da dupla napolitana que tem sido sentidos nos últimos jogos do Napoli no campeonato, com os gols sofridos. E nesse aspecto, concordo com ele. Voltemos a um trecho da entrevista sobre dirigentes:
Ainda falta alguma coisa?
“Os dirigentes. Vivemos pela intuição há muitos anos, agora é hora de construí-los. Não imaginamos o que significa para um treinador ter pessoas como Galliani ou Marotta ao seu lado. Cellino foi decisivo para mim na época de Cagliari. O futebol também é um caminho intermediário: eles pegam gerentes muito bons que não o conhecem, ou pessoas do futebol que não são gerentes de verdade. Eu disse isso em Coverciano, devemos nos abrir para o futuro, preparar continuamente a nova classe de dirigentes. São necessários cursos em cursos, exames difíceis, feedback sobre habilidades específicas. Vamos dar Coverciano nas mãos das grandes mentes do futebol: faço dois nomes, Lippi e Capello, eles fizeram tudo em suas carreiras e ainda são jovens. Chega de amigos de amigos. Se não tivermos bons líderes, nem teremos bons treinadores. Na verdade, não sabemos mais a quem dar as grandes equipes. Temos que pedir o melhor para nos ajudar. Confie na qualidade mais do que na boa vontade”.
Neste aspecto, concordo com Allegri. É um ponto importante entregar Coverciano com a formação e a experiência de grandes nomes do esporte, que colaboram com a formação de novos treinadores e vão melhorar ainda uma classe que já é crescente na Europa, de treinadores formados em Coverciano, seja na Serie A ou nas grandes ligas.
É também um ponto importante ter dirigentes que seguram o trabalho de seus treinadores, com convicções, embora Allegri, para muitos, tenha dito como uma espécie de alfinetada a Fabio Paratici, diretor esportivo da Juventus. Ter dirigentes com respaldo é importante para qualquer trabalho. Inclusive um caso em que Allegri citou na entrevista, a partir das palavras sobre Mancini:
A seleção, então está renascendo…
«Encontrei Salsano há alguns dias, pedi-lhe para felicitar Mancini. Ele está fazendo um ótimo trabalho. E você sabe o porquê?”
Por que ele é bom?
“Certamente, mas sempre foi assim. Mas agora ele é outra pessoa, tornou-se severo, sério…”
Não era antes?
“Claro que sim, mas agora mudou. Agora fala sobre futebol com todos, joga simples. Ele é um mestre. Enquanto o nosso é um mundo de professores”.
Por exemplo?
“Não é um exemplo, é uma memória. Neste verão, estive em Pescara com Galeone e Giampaolo, fatalmente conversamos sobre futebol. Eu disse a Giampaolo: “Marco, não lhe dou conselhos, mas quero lhe contar uma coisa. Você está em Milão, não é para todo mundo. Não faça um grupinho porque eles o dividirão em dois. Esse não é um estádio para brincar. Você quer um craque pelo meio? Não é Suso. Mas Suso é um ótimo jogador. Sintetize, adapte. O futebol pertence a todos. Se você não tem o regista que está procurando, nada o impede de jogar com duas meias mais atrás”. O importante é a qualidade dos jogadores. É aí que um treinador não deve comprometer, sob a competência dos dirigentes, que é o verdadeiro problema do nosso futebol”.
A velha doença é de serem todos filósofos?
“Se os filósofos são bons, por que não? O problema é o resultado, isso é realidade. Você entendeu ou não? Eu nem tenho um computador em casa, basta usar o iPhone como um telefone. Mas se eu assistir futebol, sei o que vejo. E mil idéias nascem para mim. Somos ainda mais fortes que a tecnologia”.
No final das contas, Allegri não faz nada além de repetir que o futebol é simples, que há muitos filósofos (o título da entrevista no Corriere della Sera é até “eu vejo muitos filósofos por aí”), mas quando ele fala sobre futebol, sempre acaba discutindo com tons absolutos e místicos os melhores sistemas de futebol. Assim como… os filósofos.
Por fim, a partir daí, conseguimos entender (ou não), as claras, e ao mesmo tempo confusas e estranhas ideias de Allegri, embora a parte da confusão esteja mais sob o campo das filosofias e crendices allegrianas, do que quando explica futebol. E nesse aspecto, Allegri continua sendo um campeão. Embora sempre com seu tom espartano das entrevistas pós-jogo.
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