Brozovic, Kessié, e o perigo de se perder o motor das equipes
Os contratos do croata com a Inter e do marfinense com o Milan acabam daqui a seis meses; quais as reais importâncias deles em suas equipes?
O que jogadores como Dybala, Insigne, Brozovic, Kessié, Freuler, Luiz Felipe, Romagnoli e Belotti tem em comum? Assim como nomes como Mbappé, Pogba e Rudiger, estão na grande lista do futebol europeu de nomes sem contrato.
Mas dois deles tem muita coisa em comum, além do fato de que seus contratos expiram daqui a seis meses: Brozovic e Kessié são vistos por muitos como os pulmões dos times de Inter e Milan, respectivamente. E suas importâncias são vistas na forma de jogar dos times de Simone Inzaghi e Stefano Pioli.
Primeiro, vale contar a história de Brozovic, que no começo foi visto como patinho feio por alguns treinadores, como Roberto Mancini e Frank De Boer, que deixavam no banco de reservas o croata, e depois foi tirado da geladeira por Stefano Pioli.
Tudo mudou nas mãos de Luciano Spalletti, que continuamente o colocava na frente da defesa (intuição aparentemente sugerida por Piero Ausilio), é que começamos a ver mais claramente qual era o verdadeiro talento de Brozovic com o jogo de troca de passes.
A partir daquele momento seu jogo pareceu florescer, junto com sua autoestima, em times com construções cada vez mais codificadas e complexas de base, que o colocava no comando das operações mais arriscadas. Primeiro com Spalletti, precisamente, depois com Antonio Conte e hoje com Simone Inzaghi, Brozovic tornou-se um dos melhores registas da Serie A.
Se a Inter de Conte tinha um manual de instruções para tudo, a começar pela saída por baixo com a qual atraiu a pressão do adversário, hoje a equipe de Inzaghi está mais livre para fazer suas próprias regras para se adaptar ao adversário e às partidas que se localiza pela frente.
A única regra hoje é que a saída por baixo seja gerida inicialmente pelas duas linhas centrais (a dos três zagueiros, mais a dos três meio-campistas, normalmente Brozovic, Calhanoglu e Barella), porém, a forma como é gerida, a posição dos jogadores individuais, as rotações que têm de serem feitas para se libertarem, são deixadas inteiramente ao critério dos “intérpretes” em campo.
Neste contexto, Brozovic tem mostrado que tem inteligência para ser o maestro, o jogador que dita o ritmo ao resto da equipe. Afinal de contas, hoje em dia é difícil encontrar no cenário europeu um jogador que cubra tanto campo e desempenhe tantas funções ao mesmo tempo sem que em algum momento o cobertor não seja tão curto.
É simplesmente impossível encontrar uma ação da Inter que não tenha começado com um movimento seu para desmarcar um companheiro de equipe, ou um roubo, ou um passe para furar a linha de frente da pressão adversária. Brozovic está para a Inter como um zíper está para seu fecho: com seu movimento para cima e para baixo no campo, ele conecta as várias peças do jogo da equipe de Inzaghi, permitindo-lhe permanecer vinculado em todas as fases do jogo e construindo a partir dele.
O sistema de Simone Inzaghi faz com que seja um jogo que lhe dá total liberdade de iniciativa mas que ao mesmo tempo o protege com uma grande densidade na zona da bola, o que lhe permite ter sempre linhas de passe livre e percorrer um pouco de espaço no momento em que há de se correr atrás de adversários.
Como dito pelo texto de Dario Saltari: “Brozovic é o melhor registra da Serie A?” para L’Ultimo Uomo, que é uma referência para esta coluna: Brozovic não tem e nunca terá a velocidade e explosividade de Kanté ou o domínio físico dos oponentes de Milinkovic-Savic, a única arma em que pode contar é a inteligência, que lhe permite saber o que fazer com pelo menos dois, três movimentos à frente.
Para o caso de Kessié, vamos relembrar uma coluna escrita por aqui em dezembro de 2020, que citava o seu importante papel na equipe milanista:
Kessié contribui muito com a bola a medida em que o jogo praticamente acelera muito com a bola nos seus pés e acelera uma das principais virtudes de qualquer time de Pioli que se preze, com a velocidade nos contra-ataques e na transição entre a defesa e o ataque.
A contribuição sem a bola tem sido grande na pressão ao adversário, e especialmente levando em conta que o time todo faz mais de uma função, uma vez que a fase sem a bola de Ibrahimovic, já com 38 anos e com funções de centroavante, é mais limitada.
As táticas diretas do Milan determinam como Kessié joga com a bola e como o marfinense pode jogar sem a bola, e forçando de certa forma alguns contra-movimentos dos adversários, de forma que os mesmos espaços que se estendem no ataque acabam se expandindo mesmo quando a bola precisa ser recuperada.
Poucas coisas mudaram desde aquele texto. Se é verdade que todos os meio-campistas do Milan são dinâmicos e cobrem grande parte do campo, apenas Kessié tem o tipo de jogo que decidiu a partida contra o Atlético de Madrid. Movimento que começa no próprio campo de defesa e termina na região do adversário, mantendo a clareza necessária para dosar um ataque perfeito com o pé teoricamente fraco.
Bennacer e Tonali passam melhor a bola, talvez se sintam mais confortáveis criando a jogada e alternem passes longos e curtos com mais facilidade, mas não trazem na bagagem a variedade de movimentos de Kessié sem a bola. Dentre os meias milanistas, Bakayoko tem menos facetas, é mais especializado em recuperações mas a sua contribuição na posse não se compara à de Kessié.
Em suma, Pioli não desiste de Kessié mesmo com suas irregularidades na temporada, muito porque a escolha da dupla de meio-campistas altera significativamente o equilíbrio e as posições, o desdobramento durante a posse e a possibilidade de movimentação da bola, muito porque embora Tonali e Bennacer sejam mais rápidos na construção, ambos chegam menos que Kessié na área.
As semelhanças entre a importância de Marcelo e Franck para suas equipes não param na parte de grande cobertura do campo. Seus números são relativamente semelhantes e mostram o papel que desempenham para Inter e Milan na atual temporada.
É bem verdade que os números de desarmes de Kessié estão mais baixos que o normal, sendo até aqui, com média de 1.4 desarme/jogo, enquanto Brozovic está entre os melhores do campeonato, com média de 1.8 desarme/jogo, porém, seus números são semelhantes em outras fases de jogo.
Ainda na fase defensiva, médias semelhantes de interceptações, com 0.9/jogo para Kessié, e 0.8 para Brozovic. Na fase de construção, média de 1.1 passes-chave/jogo para ambos na Serie A, e embora a porcentagem de passes do croata seja maior, se nota papéis semelhantes do marfinense na construção de jogo, embora ele não seja o regista rossonero.
Em suma, tanto Brozovic quanto Kessié desempenham papéis fundamentais, sendo meio-campistas que estão em todas as partes do campo. Se com o marfinense não há tanto otimismo por uma permanência, com o croata, por sua vez, há uma expectativa grande de renovação de contrato.
A situação de renovação de contratos na maior parte da Itália segue complicada em meio a pandemia. Mas perder jogadores que preenchem todo o meio-campo como Kessié e Brozovic seria um duro golpe tanto pro lado rossonero quanto pro lado nerazzurro de Milão. Os torcedores esperam finais felizes nessas histórias.
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