Cartão do Adepto em Portugal (III) - síntese e ensinamento
Fechamos o dossiê Cartão do Adepto em Portugal com uma síntese do debate por ele gerado e pela forma como deve se continuar a procurar respostas que impeçam a classificação dos adeptos na entrada nos estádios e a violência que vem sendo crescente no futebol.
O Cartão do Adepto transformou-se rapidamente num símbolo de tudo aquilo que no futebol, nos nossos tempos, carece de ligação entre quem decide e quem o vive. Na procura de uma boa resposta para os fenómenos de violência que ocorrem nos estádios de futebol, a resposta do Cartão do Adepto não procura uma linha para que seja possível terminar esse fenómeno, antes procura uma porta para que seja mais fácil limitar a presença de adeptos em áreas onde esses acontecimentos são vistos como mais prováveis, procurando, também, um quadro legal que facilite a identificação de potenciais transgressores.
A ideia de um estádio dividido por “tipos” de adeptos, reforçando a noção de que existem adeptos de primeira e adeptos de segunda, fica assim escrita em corpo de lei. Reforça-se, também, a ideia de que o futebol e os seus estádios são lugares de comportamentos desviantes, habitados por quem precisa de registo prévio para poder apoiar a sua equipa com bandeiras. É uma visão que ignora muito do que é a capacidade do desporto para criar comunidade, integrar pessoas de diferentes origens, gerar um diálogo entre quem não teria outro campo onde se encontrar para o iniciar.
Em recente entrevista ao jornal “A Bola”, o secretário de estado do Desporto, João Paulo Rebelo, afirmou desconhecer que algum clube se afirmasse contra esta medida. No fundo, esse será um sinal ainda mais profundo de uma conjugação dos nossos tempos. Clubes que se transformaram em comerciantes de um produto e que agem para lá daquilo que são os direitos dos seus adeptos. Clubes que ora promovem ora atacam os GOA (Grupos Organizados de Adeptos), conforme as necessidades e as vontades do momento dos seus dirigentes. Um quadro que deixa, muitas das vezes, as vozes dos adeptos num território vazio.
A Associação Portuguesa de Adeptos tem feito o trabalho de tentar impor o tema em debate, ao mesmo tempo que avançou com uma ação em tribunal para travar a implementação do Cartão do Adepto. Mas este tema demonstra ainda um outro problema dos nossos dias. A existência, entre quem desenha as leis de um país e quem vive no país, de uma fronteira que impede que o diálogo e a procura de respostas para problemas que afetam muitas pessoas possam ocorrer. O trabalho dos deputados no Parlamento choca, muitas vezes, nessa fronteira, agravando-se na linha hierárquica governamental.
Como demonstrámos nos outros artigos publicados na passada semana, existem muitos adeptos a refletir e a discutir como colaborar para o fim da violência no desporto. Existe abertura, no Parlamento, para repensar as medidas adotadas. Compreendendo também quem procura entender, na prática, como terão elas efeito. A pandemia e o fecho das bancadas deu-nos, a todos, tempo para continuar a debater um Cartão de Adepto que não augura nada de bom. É ainda preciso lutar contra uma certa passividade e aceitação das coisas como elas nos são impostas. É isso que o Cartão do Adepto e a luta que tem gerado nos ensina também.
Pode ler o primeiro artigo desta série no Footure, Cartão do Adepto (I) – Entrevista a João Tibério.
Pode ler o segundo artigo desta série no Footure, Cartão do Adepto (II) – A questão no Parlamento.
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