Chris Wilder faz o Sheffield sonhar na Premier League
Treinador vem subindo de patamar desde a 9ª divisão inglesa e vive seu auge no clube de coração - que vem surpreendendo alguns times da elite
“Há uma percepção de mim e outros treinadores ingleses. Lembre-se de Howard Wilkinson. Ele ganhou a primeira divisão com o Leeds. Era um professor de escola, mas um inovador. O maior é Sam (Allardyce), de verdade. Me treinou no Notts County. Vejam o que ele fez com o Bolton em termos de análise de vídeo, ciência esportiva, a forma que jogaram. A percepção de alguns deles não é correta.
Dave Bassett teve uma influência crucial em mim, com o modo que me tratou e falava com as pessoas. Wimbledon e Sheffield United eram times de futebol direto e ele tirou o melhor do que eles tinham, mas era um inovador. Não se vê muito conhecimento disso. Foi um dos primeiros a introduzir os condicionadores (de bola). Tinha psicólogo e análise de vídeo; costumava cortar as gravações e mostrar aos jogadores. O que ele fez foi inteligente.”
As palavras são de Chris Wilder. Mas quem é ele?
Treinou o Alfreton Town, Halifax Town, Oxford United, Northampton Town e agora o Sheffield United, oitavo colocado da Premier League. Mesmo com um orçamento enxuto e cotado para o rebaixamento, está à frente de times que chegaram cheios de expectativa e dinheiro. Tem a melhor defesa do campeonato e vai solidificando uma história que parece conto de fadas, mas foi construída com muito trabalho.
E por que aquelas declarações? Bem, há grandes chances de você, mesmo acompanhando futebol a ponto de estar lendo essa coluna, não ter ouvido falar em seu nome. Ou pouco ter dado a devida atenção. É o caso do treinador inglês que, mesmo com seu país necessitando de valores internos, fica de lado nas discussões por alguns motivos – até inconscientes.
Se tornou cultural: para contrapor a antiga visão de que o que estava ali dentro era o melhor dos mundos, mídia e torcida foram ao outro extremo, desvalorizando naturalmente aquilo que não é apresentado como ‘novas ideias’ – geralmente vindas do exterior. Mas Wilder já fez o suficiente para ter uma reputação maior.
Nascido em Stocksbridge, paróquia civil (algo próximo de bairro) de Sheffield, é fã de carteirinha dos blades desde criança e agora tem a chance de reunir no clube do coração os princípios que desenvolveu desde a 9ª divisão. Passou pela quinta, quarta, terceira e segunda antes de alcançar a elite e, sem saber, ia firmando a base para o que definiria sua estadia histórica no estádio que visitava na infância.
É um gestor de grupo. Faz com que o espírito de equipe não se perca em qualquer circunstância, promove um ambiente positivo e garante que os jogadores entreguem tudo o que podem. Sabe a hora de dar bronca e a hora de abraçar. Não por acaso já levou seus elencos para o bar, andar de kart e outras ocasiões que ajudassem a criar química.
Tudo isso reflete no campo. Nome por nome, faziam sentido as previsões que colocavam seus comandados como lanternas da liga. Mas sorte a nossa que o futebol permite o inesperado acontecer e a figura do treinador possa fazer tanta diferença. Por exemplo, Chris levou o Northampton da beira da falência em 14/15 ao acesso para a terceira divisão em 15/16.
Assumiu o Sheffield ainda na terceira divisão, perdido entre escolhas ruins para o comando; acabou montando um conjunto capaz de superar vários favoritos na Championship e subir direto, sem playoffs. Jogando, acrescentando no âmbito tático e psicológico, criando conexão com a torcida e vencendo. Se na temporada passada o nível dos adversários permitiu um estilo mais ofensivo – foram 78 gols -, a palavra da vez era adaptação.
Wilder disse que não queria um time disposto apenas a se defender, mas faria algumas mudanças estratégicas para aumentar as chances de pontuação. Até porque a identidade sempre foi baseada no equilíbrio: mesmo atacando em muitas partidas, em 18/19 teve a defesa menos vazada e reduziu o Leeds de Marcelo Bielsa a zero chutes no alvo. Na ocasião saíram com a vitória e até agora provam que o pragmatismo dá certo.
O 5-3-2 adotado como formação padrão oferece naturalmente uma proteção maior à meta extremamente bem defendida por Dean Henderson, emprestado pelo Manchester United. Dotados de uma qualidade reduzida se comparada ao resto da Premier League, os atletas têm menos espaço para cobrir e conhecem seus pontos fortes e limitações. Essa compreensão é demonstrada justamente em uma das características mais chamativas: os zagueiros que avançam ao ataque.
O’Connell e Basham chegam no campo ofensivo e trocam de posição com os alas, que cortam pra dentro e criam um cenário inusitado para a marcação. Mas aí entra o dedo do chefe, permitindo participar da jogada aqueles que tem mais capacidade e se mostram aptos nos treinamentos. Um reserva que não está acostumado com a situação, por exemplo, não vai sair conduzindo da sua própria área só porque viu seus companheiros fazendo isso.
Existe ali uma ‘ousadia controlada‘, digamos assim. A intenção é não ser ingênuo a ponto de esquecer da responsabilidade defensiva redobrada, mas adicionar elementos diferentes a partir de uma plataforma pautada na contenção. Assim passam para o oponente não apenas a sensação de que será difícil superá-los, mas que existem as condições para chegarem no gol também.
É um time de marcação forte e agressiva, fisicamente dominante e chato de enfrentar. Recuam as linhas, não cedem os espaços em profundidade que a maioria dos rivais gosta de explorar e deixam a posse de bola de lado. Mas quando têm a oportunidade, mostram o porquê de serem uma das equipes mais bem treinadas da Inglaterra.
Outras peças merecem menção. Oliver Norwood é o coração do time no meio-campo, controlando o ritmo e distribuindo lançamentos longos como poucos na divisão conseguem. O camisa 16 foi da base do United, se inspira em Scholes e foi cotado por Ferguson a um dia chegar na Premier League – mesmo com o escocês o dispensando no momento. É um dos melhores meias do campeonato até então. Baldock e Stevens estão dando conta do recado em suas funções rebuscadas pelos lados e Lundstram é exemplo de consistência.
Mas a força dos blades está na soma dos fatores. É um grupo comprometido, esforçado e motivado a permanecer na elite do futebol, desafiando as probabilidades e, quem sabe, dando ao seu comandante o reconhecimento que merece. Na mais recente participação na primeira divisão (06/07), Colim Kazim-Richards era o atacante, Neil Warnock o treinador e o rebaixamento veio na última rodada. As coisas podem ser diferentes agora.
Chris Wilder está fazendo de tudo para que o Sheffield United siga escrevendo uma história espetacular. Mesmo que os holofotes ainda não se voltem para o Bramall Lane.
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