COM DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO, WOLVERHAMPTON PODE SURPREENDER NA PL 18/19
Por Lucas Filus O Wolverhampton está enraizado na história do futebol inglês: fundou e foi um dos 12 clubes que estiveram na primeira edição da Football League First Division, em 1888. Conquistou três vezes o título nacional e, em 1959 (o último), era considerado “o time” do país ao lado do Manchester United. Tinha sucesso […]
Por Lucas Filus
O Wolverhampton está enraizado na história do futebol inglês: fundou e foi um dos 12 clubes que estiveram na primeira edição da Football League First Division, em 1888. Conquistou três vezes o título nacional e, em 1959 (o último), era considerado “o time” do país ao lado do Manchester United. Tinha sucesso interno e chamava a atenção do mundo amistosos diante de equipes icônicas, inclusive derrotando o Real Madrid e o Honvéd – repleto de craques da Seleção Húngara, que havia massacrado a Inglaterra na “partida do século”.
De lá pra cá, passou por altos e baixos em gestão e desempenho esportivo e há quatro anos estava na terceira divisão. Voltou para a segunda sob o comando de Kenny Jackett e não empolgou nas três campanhas após o retorno, terminando em 7º, 14º e 15º. Por conta disso, todos se surpreenderam quando a Championship foi completamente dominada pelos Wanderers em 17/18. Foi um dos melhores times da história do campeonato em números e rendimento, alcançando a marca de 99 pontos e capturando a euforia de torcedores que estavam sedentos de momentos marcantes.
Para as peças-chave de uma renovada instituição, porém, tudo aquilo foi apenas consequência de um projeto desenhado para fazer barulho a nível continental. Tudo começou com a compra do clube pela Fosun International, companhia chinesa de investimentos que desembolsou 45 milhões de libras para expandir seu portfólio em 2016. Prometeu injetar um dinheiro considerável e o plano era subir para a Premier League em dois ou três anos. As duas coisas aconteceram e o ponto mais alto da narrativa está prestes a começar.
O qualificado Nuno Espírito Santo não tem apenas a prancheta nas mãos, mas também o network que alavancou as perspectivas em West Midlands. Quando goleiro do Vitória de Guimarães, o português foi o primeiro cliente do empresário Jorge Mendes em 1996 e agora colhe os frutos dessa longínqua relação. O agente é um dos homens mais poderosos do futebol e trabalha com estrelas como Cristiano Ronaldo, Jose Mourinho e James Rodriguez. É uma figura que se envolve fortemente nos bastidores e levou jogadores de alto calibre para o Molineux Stadium.
Ele já havia feito consultoria para a Fosun quando a empresa se preparava para entrar no mercado esportivo e estreitou a conexão com Guo Guangchang – chairman, que chegou a investir na Gestifute, agência de Mendes. É seguro dizer, portanto, que suporte no extra-campo não falta. Mas não seria suficiente, como visto em 16/17: Walter Zenga e Paul Lambert fracassaram e foram demitidos. E o que vimos na última temporada foi um conjunto praticamente completo, pronto para se estabilizar na elite.
Vamos entender como jogam. O Wolves gosta de ter a bola e, pela superioridade em relação aos adversários, costumava controlar partidas com facilidade. No Valencia, Nuno montou um 4-3-3 que se transformava em 3-4-3 com a posse, recuando um meia para organizar e avançando os laterais. É um artifício que trouxe resultados positivos e a escolha na Championship foi por fazê-los fixos e mais ‘agressivos’. A formação original já conta com três zagueiros e dois alas bem ofensivos.
No trio, Conor Coady é o líbero; meia de origem, o inglês é confortável nos passes e assume a saída. Os outros (Boly e Bennett, Miranda ou Batth) se posicionam nos cantos da área e oferecem suporte horizontalmente. Doherty e Douglas (14 assistências, vendido ao Leeds) são alas que chegam frequentemente no ataque, mas com funções distintas. O primeiro, pela direita, infiltra diagonalmente para o centro enquanto o ponta Cavaleiro se aproxima da lateral e confunde a marcação. Pela esquerda, o ala vai à linha de fundo e atrai os adversários com essas ameaças verticais.
Jonny foi adquirido por empréstimo junto ao Atlético de Madrid e dificilmente repetirá a produção do seu antecessor, mas representa um ganho em calma e qualidade nas conduções. Diogo Jota flutua para o centro e se torna a referência técnica na criação e finalização de jogadas, usando do atacante como pivô para tabelas rápidas. Esse papel era muito bem feito pelo brasileiro Leo Bonatini até janeiro, mas o nível caiu e Raul Jimenez acaba de chegar como uma aquisição de peso para a posição.
Deve funcionar da mesma maneira, recebendo os lançamentos de trás e ativando a movimentação dos pontas. Um setor que terá qualidade digna de top 6 ainda não foi citado na análise porque, em termos de posicionamento, acabam sendo os mais estáticos. Os meias centrais são responsáveis por proteger a defesa e direcionar os lances para os flancos, foco visível da equipe. Ruben Neves, ex-Porto, já foi alvo de gigantes e demonstrou toda a sua capacidade com a camisa laranja.
O português é o coração da equipe, agindo basicamente como um quarterback e conquistando ‘jardas’ valiosas em questão de segundos. Chegará na PL sendo uma autoridade no quesito lançamento longo e virada de jogo, impressionando com a precisão – assim como em suas aparições bem dosadas no último terço, culminando em pinturas. Roman Saiss dava estabilidade posicional ao seu lado, mas deve ser recuado à zaga (como foi na Copa, com Marrocos). A razão também vem de terras ibéricas: João Moutinho foi capturado do Mônaco e desempenhará função semelhante, com mais qualidade na bola.
Atrás de todos esses estará Rui Patrício, que chegou do Sporting e é mais uma daquelas peças ‘acima do nível do clube’. O goleiro foi fundamental na Euro conquistada por Portugal em 2016 e há uma década se mostra convincente e consistente. Com recursos avantajados em uma competição de segundo patamar, os Wanderers foram dominantes. Mas quem assistiu apenas algumas partidas ou os melhores momentos poderia classificá-los como um time de contra-ataque. Nuno sempre prezou pelo propósito na posse e cada ação busca a verticalização imediata das jogadas.
Com artifícios tão bem trabalhados visando o gol, uma boa estrutura sem a bola atrairia marcadores para o próprio campo e abriria o caminho para muitas vitórias. A marcação acontece em um 5-4-1 preparado para negar espaços centrais, com os pontas se compactando ao lado dos meias e os alas se tornando laterais. O pressing se dá apenas em determinadas situações e a transição depende de onde a bola para. Se a recuperação é feita no centro, provavelmente terá espaço em profundidade nos flancos e o lançamento é feito.
Em caso de desarme pelos lados, um passe horizontal é executado e a dupla de ‘quarterbacks’ já está pronta para virar o jogo e ativar zonas menos povoadas. Resumindo, o ponto forte está nas combinações pelas pontas. Com 5 peças pouco presentes nas tramas do ataque, o próprio alvo fica bem resguardado e as armas ofensivas se sentem livres – e com uma responsabilidade nas costas – para trabalhar. A força está nesse entendimento coletivo das próprias qualidades, maximizadas pelo ótimo trabalho de Nuno Espírito Santo.
O português, seus conterrâneos, os chineses e os demais têm tudo para se destacarem em uma Premier League que necessita projetos interessantes fora do top 6. O Southampton já não nos encanta, o Everton gastou muito para pouco planejamento e o Leicester nada fez depois do histórico título em 15/16. O posto de destaque entre os medianos ficou com o Burnley, mas o estilo amplamente defensivo tirou o potencial de atenção que mereciam. O Wolverhampton está pronto para retornar à elite atraindo os holofotes.
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