Como joga o Argentino Juniors de Diego Dabove
A história do clube e treinador acabam se misturando nos últimos anos, então: como joga o Argentinos Juniors de Diego Dabove?
É difícil falar da relação entre Argentinos Juniors e Diego Dabove sem cruzar as suas linhas de tempo. Tendo 2017 como ponto de partida, tanto clube como treinador começavam a traçar suas curvas ascendentes que, logo adiante, se sobreporiam.
Há três anos e meio, o Bicho tentava o sucesso na escalada rumo à primeira divisão. Após a queda em 2016, a aposta foi em Gabriel Heinze para assumir a casamata e guiar a equipe no caminho para a elite. O sucesso na Primera B Nacional foi incontestável. Com um futebol vistoso, eficiente e muito distante do padrão costumeiro das divisões inferiores argentinas, o Argentinos Juniors sobrou e conquistou o acesso com bastante antecedência.
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No mesmo período, Dabove iniciava sua carreira como técnico de maneira efetiva, comandando o time secundário do Godoy Cruz na Divisão Reserva. O bom trabalho feito com os jovens que faziam a transição da base para o profissional rendeu frutos em Mendoza. Para 2018, foi efetivado como treinador da equipe principal após a demissão de Mauricio Larriera, necessitando entregar a regularidade que o Tomba não havia encontrado no semestre anterior.
Pegando o clube na 11ª posição, Dabove aproveitou a parada de verão para mudar a cara da equipe. Oportunizando jovens, buscando solidez defensiva e a potencialização de seu artilheiro, Santiago “El Morro García”, conseguiu uma arrancada histórica. Nos 16 jogos finais da Superliga 2017/2018, somou 12 vitórias, 3 empates e apenas uma derrota. Teve o melhor ataque (31 gols) e a segunda melhor defesa (10 gols) de janeiro a maio de 2018. O resultado? O vice-campeonato, ficando apenas dois pontos atrás do campeão Boca Juniors, e a classificação para a Libertadores em 2019.
Ele permaneceu no Godoy Cruz até dezembro de 2018, mas não ficou muito tempo sem trabalho. Desde a saída de Heinze, o Argentinos Juniors passou por momentos de profunda instabilidade, sobretudo na Superliga 2018/2019. Nos 15 primeiros jogos, foram apenas 10 pontos conquistados e uma perigosa vice-lanterna até a pausa de fim de ano. Valorizado pela campanha – e pelo modo como a conduziu – no campeonato anterior, Dabove e o time de La Paternal enfim conectavam suas caminhadas.
Entretanto, a largada do novo projeto não foi boa. O elenco limitado em mãos e a pressão para afastar os colorados do rebaixamento nos promedios permitiram poucas intervenções. A queda foi evitada, mas a lanterna foi amargada na tabela anual. Por outro lado, o fracasso nos primeiros meses serviram para Dabove fazer um diagnóstico completo das necessidades do time para a Superliga 2019/2020. A receita da aposta em jovens e da confiança em um centroavante experiente se repetiu e compensou, com uma respeitável 5ª posição e a vaga para a Libertadores em 2021.
Mas afinal, como isso se desenhou dentro de campo? Como joga o Argentinos Juniors de Diego Dabove?
Podemos dizer, acima de tudo, que Dabove é um camaleão: se adapta as adversidades e, por ter um time que domina o propósito do jogo, sabe se moldar as necessidades. Foi assim contra o Lanús, por exemplo, quando contra a forte pressão de Zubeldia optou por um jogo mais direto. Já contra o Huancayo, pela Sulamericana, optou por um modelo de criação curta a partir da defesa. Portanto, é possível ver desde características para jogar com espaço a jogadores mais prontos para um jogo combativo e conclusões rápidas.
Apesar de toda a diversidade, podemos tirar algumas conclusões de como joga él tifón de Boayacá sob o comando de Dabove e para isso é importante entender o time nos quatro principais momentos do jogo: momento ofensivo, momento defensivo e as duas transições, ofensiva e defensiva.
Como ataca?
Dabove certamente não é um técnico apaixonado pela posse de bola. Pragmático, opta por um sistema tático objetivo geralmente baseado em uma plataforma de 4-3-1-2 ou 4-3-3 tendo como homem-alvo Santiago “El Tanque” Silva (sim, o mesmo de tantas passagens pelo futebol sul-americano).
Partindo desse princípio é normal que vejamos um processo ofensivo que pule de sua primeira etapa, de construção, para a criação e diretamente a finalização, sem passar pelo estratégico momento de preparação. Isso, pois, com o goleiro Lucas Chaves e os zagueiros Carlos Quintana e Miguel Torrén a primeira opção é buscar posições mais avançadas no campo com lançamentos direcionados para o camisa 9 fazer o pivô e os meias que chegam de trás brigarem pela segunda bola.
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Tal ligação de direta, contudo, não é o famoso “chutão pra frente”, Dabove preza, acima de tudo, pelo propósito e é possível ver a preparação ofensiva acontecer justamente nos segundos anteriores ao lançamento. O impetuoso lateral-esquerdo Elias Gómez geralmente é quem dá suporte a linha defensiva (por sua imposição física para romper com condução ou brigar em contra-pressão caso seja necessário) enquanto do outro lado Sandoval ou Kevin MacAllister são quem oferecem profundidade, tanto para receberem o lançamento quando para brigarem por uma segunda bola.
Como já dito, o foco é o propósito e se o momento não é propício para uma ligação direta, o time parte de uma saída de 3 para quebrar a primeira pressão adversária. Com Elias Gómez ou o primeiro volante, que pode ser tanto Francis MacAllister ou o excelente e promissor Fausto Vera, dando suporte a zaga e se movimentando para dar o primeiro passe de ruptura. Mais a frente já surgem os jogadores de maior movimentação e que focam na quebra por passes mais longos ou condução mais agressivas: Franco Moyano, Iván Colman, Gabriel Florentín (21 anos e bastante incisivo em seus passes) e, principalmente, o meia-atacante dono da 10, Damián Batallini.
Todos os meias citados possuem duas principais funções ofensivas: brigar pela segunda bola (e aqui é exigido muito poderio físico) e criar situações de ataque com velocidade.
No último terço a bola geralmente se mantém por pouco tempo e tem como foco 2 jogadores: Santiago Silva e El Demonio Hauche. Dois jogadores bastante físicos e de muita movimentação que aparecem tanto em posições mais baixas para fazer o pivô, quanto na área para finalizar ou abertos pelos lados para confundir a marcação adversária. É certo que a condução não é o ponto forte de ambos, mas o bom posicionamento e qualidade de passe para finalizar são o que potencializam a dupla de ataque de Dabove.
Seja no 4-3-3 com Batallini, Silva e Hauche ou no 4-3-1-2 com o camisa 10 fazendo o meio de campo, o Argentinos se fundamenta principalmente no jogo direto, mas sem abrir mão da proposição, por isso, pressiona quando perde a bola para sufocar o adversário e evitar ser atacado para manter o protagonismo na partida.
Ainda assim, é um time de números tímidos: na última temporada da Superliga argentina terminou como o quarto time que menos marcou em todo campeonato (22 gols em 23 rodadas), mesmo tendo terminado com a quinta colocação. Se marca pouco, também sofre pouco: foram apenas 17 gols sofridos, ficando atrás apenas de Vélez (14) e Boca (8).
Como se defende?
Obviamente, para manter tal consistência defensiva Dabove prioriza a montagem de sua defesa. Para isso, foca em antes de defender posicionalmente, pressionar o adversário para que seus ataques nem sejam criados. Não a toa teve o segundo melhor PPDA (passes permitidos por ação defensiva, índice que mede a qualidade da pressão sob o adversário) da Superliga 2019/20, com 6.7 contra uma média de 8.19 da liga (quanto menor o valor, mais efetiva é a pressão). Isso é possível ver ainda na saída de bola adversária, onde pressiona para evitar que saiam jogando. Tal movimento parte principalmente de Silva, que persegue os defensores a todo canto no campo de ataque. A intensidade, contudo, é apenas um dos fatores que permitiu o Argentinos Juniors ter uma campanha de sucesso no campeonato argentino.
Além de pressionar o adversário no pós-perda, Dabove monta seu sistema defensivo baseado em encaixes extremamente coordenados com perseguições agressivas. Seu objetivo não é necessariamente para roubar a bola, mas induzir o lançamento longo e o erro ao adversário. Ademais, o treinador prioriza sempre a superioridade nas zonas de maior volume de jogo com seus encaixes, um grande exemplo foi o confronto contra o Boca Juniors (que terminou empatado em 1-1) em que moveu Hauche, Batallini, Colamn, Francis e Vera para a região central (enquanto Sandoval e Gómez cuidavam dos corredores) para povoarem a zona criativa do Boca com Marcone, Capaldo, MacAllister (irmão de Francis), Reynoso e Salvio. O resultado foi extremamente positivo.
A marcação por encaixes ainda possibilita que o Argentinos não cedam espaços entrelinhas no campo, afinal, quando cada jogador foca em pressionar (e cortar linhas de passe) tendo como referência o atleta adversário, desaparece-se o conceito de linhas. Entretanto, há seus perigos. Quando a primeira marcação é rompida é natural que se desencadeie uma sequência de erros, já que quem for fazer a cobertura deixará um rival desmarcado; se ainda optar por não deixar sua zona de encaixe, dará espaço e tempo ao portador da bola para criar.
Neste momento, exemplifica-se perfeitamente o desencadeamento supracitado. Colman deixa seu marcado para subir e pressionar o lateral adversário, naturalmente a defesa tem que subir para fazer a cobertura e quem exerce a pressão o zagueiro Quintana que acaba por deixar um espaço as suas costas para sofrer o lançamento.
Nesse outro frame é possível ver uma confusão de encaixes, quando o centroavante adversário sai de uma zona de encaixe para outra e cria confusão na marcação:
Contra o Boca, a situação de gol sai justamente em uma falha de encaixes. Um dos atacantes xeneize atrai o lateral-direito para o lado do campo para MacAllister infiltrar. O time tenta corrigir e se volta para o lado direito da defesa. Enquanto isso, Ábila se desloca para o segundo pau para subir sozinho e abrir o placar.
Tendo ciência de tal panorama, Dabove opta por usar uma dupla de zaga com boa intensidade e poder de marcação. Tanto Quintana quanto Torrén são jogadores fisicamente muito fortes e velozes tanto para ganhar divididas (pelo chão e pelo alto) quanto para correr atrás de uma recuperação.
Sendo assim, a partir dessa panorama geral, podemos ver a resiliência de Diego Dabove de acordo com a postura do adversário. Em um campeonato tão diverso como o argentino tal qualidade se torna essencial, uma vez que intensidade sempre será exigida, seja para defender contra oponentes que gostam de ter a bola seja para atacar contra os mais retraídos, dentre outras várias situações.
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Vê-se, então, que Dabove e Argentinos foram feitos um para o outro. Após cruzarem seus caminhos e uma retomada homérica, o Argentinos volta a protagonizar na Argentina. O que os aguarda para a próxima temporada pouco sabemos, principalmente após uma longa pausa de quarentena, mas mantendo seus bons valores jovens (Vera, Florentín, Francis) e os experientes pilares da equipe (Quintana, Gómez e Silva) as expectativas são das melhores. Na Superliga ou na nova LPF Dabove promete, mesmo marcando poucos gols – e, claro, sofrendo pouco – brigar pelas primeiras posições e não seria surpreso vê-los competindo a Libertadores em um futuro próximo.
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