Como o coronavírus afeta a Serie B e a Serie C na Itália; e o que pode mudar
Como as divisões inferiores do futebol italiano podem ser afetadas e mudar em meio a pandemia do coronavírus
Já falamos aqui nesta coluna o quanto a Serie A, que já aparenta trilhar um caminho para o retorno da temporada, com os clubes aceitando e apenas a espera do governo para definir mais ações para o retorno aos treinos e o retorno das partidas, provavelmente com portões fechados.
Muito se falou sobre a condição financeira dos times da Serie A, mas e os das divisões inferiores na Itália? Neste caso, as condições da Serie B são um pouco mais complicadas, e na Serie C, então, mais diversas ainda, se levar em conta as situações financeiras de muitos clubes.
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Especialmente se levar em conta que a soma do faturamento dos clubes da C chega a €100 milhões com todos os 60 clubes envolvidos nas três seções. E nem todos tem Berlusconis e De Laurentiis como donos, como é o caso de Monza e Bari, respectivamente, e que conseguem segurar as contas nesse momento.
Mas como resolver nesse momento? Já que os clubes das divisões inferiores nesse momento tem queda grave de receita: Seja a curtíssima de televisão pra casos como os da B, ou o Bari na C, que conseguiu vender seus jogos para a TV, seja a de bilheteria, vital nestes casos, seja a de patrocínios, normalmente curta e suspensa, seja a de venda de jogadores.
Neste caso, cogitou-se que os jogadores de Serie B e Serie C italianos, menos abastados financeiramente que os jogadores da Serie A, pudessem entrar no “cassa integrazione”, a bolsa que o governo italiano dará para que os trabalhadores gerais possam sobreviver a crise do coronavírus, e que neste caso, os jogadores das divisões inferiores poderiam entrar.
Afinal de contas, pelo menos na Serie B, alguns clubes suspenderam o pagamento de salários a seus atletas durante todo o período de inatividade, o que poderia salvar as finanças dos já combalidos clubes da segunda divisão italiana.
A situação esportiva da Serie B é mais vantajosa, tendo em vista que por conta das falências recentes de Palermo, Bari e as não-inscrições de Avellino e Cesena para a temporada 2018–19, foi reduzida na temporada passada a 19 clubes, e desta vez, passou a ser com 20 clubes, como na primeira divisão, era o momento ideal para consolidar uma Serie B melhor.
A disputa do acesso direto já tinha um deles bem encaminhado, o do líder Benevento, enquanto a segunda vaga, entre o vice-líder Crotone e o nono colocado Empoli, o primeiro fora da zona de playoffs, há uma diferença de apenas 9 pontos, curta para uma distância de tantas colocações, onde os calabreses tem apenas 2 pontos de vantagem frente ao Frosinone.
Até que a temporada parou. E se há indefinição quanto aos rebaixados na Serie A, existe uma indefinição ainda maior sobre os acessos da Serie B, o que poderia complicar mais ainda em caso de suspensão da temporada, e destruir o equilíbrio de uma Serie B bem elaborada.
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Há quem discuta que o modelo de paralisação da Serie A para o coronavírus e de possível retorno dos jogos com portões fechados não serve para a Serie B, como o presidente do Crotone, Gianni Vrenna, que defende o retorno aos gramados “só quando não houver risco de infecção”. Mas os clubes querem encerrar a temporada no campo.
Contexto de organização e maior definição que não existe na Serie C. O presidente da Lega Pro, Francesco Ghirelli, marcou uma reunião por videoconferência para o dia 4 de maio, para que finalmente se decida o que fazer com o restante da temporada.
Em um cenário tão grande de indefinição, a Lega Pro chegou a pedir para a Serie B que os quatro acessos, seja o dos três líderes de grupos e o dos playoffs fossem respeitados, mas que não se rebaixasse nenhum dos 3 últimos na Serie B, como contrapartida, a Serie C não rebaixaria ninguém para a recém-criada Serie D. Pedido negado.
E em meio aos 60 clubes das três “divisões” regionais da Serie C, se começa a contestar o modelo atual, que para muitos, é a razão do colapso da terceira divisão italiana, e que leva muitas equipes a falência. Não é absurdo argumentar que pelo menos um terço deles esteja em dificuldades corporativas mais ou menos sérias.
Só nos últimos anos, tiveram dificuldades financeiras entre os clubes da C italiana: Lucchese, Cuneo, Matera, e o caso recente do Pro Piacenza, que em meio a protestos por salários atrasados, chegou a perder de 20–0 para o próprio Cuneo citado anteriormente. Além disso, na atual edição, clubes como o tradicional Catania e Rieti tiveram problemas.
Vale destacar este trecho do texto de Federico Principi ao L’Ultimo Uomo:
As cerca de 100 milhões de perdas de 60 clubes significam um buraco no orçamento de cerca de 1,6 milhão por ano, em média, para cada clube, número que provavelmente também será arredondado. Obviamente, as equipes que registram as maiores perdas são as mais ambiciosas: especialmente Monza, Bari, Ternana, Padova, Vicenza, Reggina. Não se diz, no entanto, que o modelo deles seja menos sustentável do que o das outras equipes que quase nunca encontrarão a promoção para a Série B: para os clubes mais ambiciosos, geralmente em um plano orçamentário plurianual por ano compensaria a perda de alguns milhões na Serie C, que será amortizada com a renda das categorias superiores.
Isso é importante em um contexto em que o próprio texto cita: o que os clubes mais ricos e prestigiosos da Serie C italiana veem na competição um investimento e procuram oferecer condições contratuais mais vantajosas aos jogadores para tirá-los da Serie B, podem não ter mais condições para fazer isso.
Mas, por outro lado, em tempos em que o curto dinheiro da transmissão (a liga vendeu para a Eleven Sports seus direitos de TV por 1.2 milhão, o que dá cerca de 20 mil euros por temporada aos clubes) pesa, a falta de patrocínios pesa aos grandes, as equipes mais poderosas da C podem desistir da política de apostarem em jovens jogadores e pensar em veteranos, justamente advindos das ligas superiores.
Assim como também enquanto as equipes de maiores pretensões desistem dos jovens apostando em veteranos na luta pelo acesso a Serie B, os de menores pretensões terão de apostar em jovens para recuperar patrimônio no futuro, embora exista uma regra na Serie C, em que para receber um bônus econômico, é necessário usar pelo menos três jogadores sub-23 por partida.
Muitas vezes este bônus econômico é a salvação, como Principi fala em seu texto, citando uma frase de Vlado Borozan, diretor esportivo da Vis Pesaro:
O bônus para os [jogadores] jovens é uma ferramenta econômica que deve ser uma ajuda, mas agora se tornou a única âncora de resgate para a sobrevivência de equipes pequenas, para amortecer as perdas o máximo possível. “A minutagem no final do ano nos rende um valor realista de cerca de 300 a 350 mil euros, no máximo 400 mil se pudermos aproveitar ao máximo”, diz Vlado Borozan, “mas ainda representa 10 a 15% do orçamento total, perto de 3 milhões “.
Em um contexto de pós-pandemia, para a sobrevivência na Serie C, seja de equipes mais endinheiradas, como são o caso de Reggina, Monza, Bari, Ternana, Padova e Vicenza, ou de equipes sem dinheiro, deve ser importante a participação da Lega Pro para que se aposte em jogadores jovens, e que se conquiste mais ainda esse incentivo financeiro.
Por outro lado, é bem verdade que alguns clubes com problemas financeiros mal tem dinheiro para se manter, quanto mais investir em categorias de base. Neste caso, serviria muito bem um auxílio da Lega Pro para investimento nos setores jovens, que já ajudaria no incentivo financeiro para que essas equipes se mantenham.
Basta ver o exemplo do Pordenone na Serie B, que com um meio sustentável, e investimento que chegou a 1 milhão de euros, conseguiu além do acesso a segundona, com boas campanhas na Coppa Italia, consegue se manter financeiramente vendendo jovens jogadores as equipes de Serie A, e colhe frutos financeiros na briga pelo acesso a elite, onde esteve na zona de playoffs até a suspensão do campeonato.
Além disso, como Principi cita em seu texto, é importante o auxílio da Lega Pro para que se impeça o fenômeno recente de um modelo no futebol de categorias inferiores na Itália: os pay footballers, algo semelhante ao modelo dos pay drivers no automobilismo, mais vistos na Fórmula 1, em que o piloto “paga” trazendo patrocínios para poder correr pela equipe.
Em vista essas questões, e um possível prejuízo que pode ir de 20 a 84 milhões para todos os clubes somados da Lega Pro, o presidente da FIGC, Gabriele Gravina, chegou a expor uma ideia presente para se executar: uma Serie C dividida entre equipes profissionais, e semi-profissionais, através de 20 divididos na “C1” e 40 na “C2” (nota: a Serie C1 e a C2 foram unificadas em 2013), que seria semi-profissional.
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O problema seria como dividir em uma situação dessas as equipes que entrariam no contexto semi-profissional e as equipes profissionais. O Catania, por exemplo, de longa história no futebol italiano, e de força na Sicília, poderia ficar de fora, assim como Triestina e Cesena.
Até o presidente do Gubbio, Sauro Notari, contestou imediatamente a proposta de Gravina porque sua equipe navega na área de salvação entre os “não-rebaixados” e nessa possível divisão acabaria no hipotético Serie C2, mas possui uma capacidade financeira melhor do que algumas equipes que terminaram nas partes superiores das classificações dos três grupos, como é o caso do Catania, por exemplo. O que já daria inúmeras discussões a se resolver.
Após a suspensão da temporada, a pergunta que se paira no ar é se esta conseguirá ser encerrada com acessos e descensos. A Liga Nazionale Dilletanti (uma espécie de liga nacional amadora italiana), delegou a responsabilidade pelos acessos e descensos, tanto na Serie C, quanto na recém-criada Serie D, para a FIGC.
A expectativa é que, com o retorno da Serie A, as ligas inferiores também voltem, e possam assim, impedir que os clubes das divisões inferiores sofram mais do que já tem sofrido financeiramente, e que a roda possa girar em termos da questão esportiva e financeira do microcosmo do futebol italiano.
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