FUTEBOL EXTEMPORÂNEO
A evolução tecnológica na humanidade trouxe com ela uma vertente imediatista que faz com que vivamos apressados no dia a dia. Aliás, funciona quase como se o presente fosse um pequeno e inútil degrau para chegarmos rapidamente ao futuro. A paciência tornou-se uma virtude apreciável entre nós. ‘’Só queremos agora o que não temos. E quando não […]
A evolução tecnológica na humanidade trouxe com ela uma vertente imediatista que faz com que vivamos apressados no dia a dia. Aliás, funciona quase como se o presente fosse um pequeno e inútil degrau para chegarmos rapidamente ao futuro. A paciência tornou-se uma virtude apreciável entre nós. ‘’Só queremos agora o que não temos. E quando não temos, já não basta. Vivemos em um eterno descontentamento.’’
Sendo o futebol um dos reflexos da sociedade, o meio também acabara afetado. E a situação agrava-se quando transportamos isto para a formação dos atletas. O modelo da pirâmide desportiva está dividida em 3 etapas: a iniciação, a orientação e a especialização. Os nomes indicam, de forma explícita, no que consiste cada uma. À medida que o tempo avança e os jovens atletas se vão desenvolvendo, o número de praticantes vai diminuindo por diversas razões, sejam sociais ou desportivas. Quanto mais nos aproximamos da fase adulta, mais filtrados serão os jogadores, pois nem todos terão capacidade para dar o salto profissional. A isso chama-se processo de especialização.
E é aqui que nos debatemos todos os dias. São os momentos finais onde as decisões terão impacto na restante vida do praticante da modalidade. Treinadores, coordenadores, diretores, presidentes, familiares, mídia e até torcedores, todos terão influência – em diferentes graus, é certo. As más escolhas levam-nos à especialização precoce. Isto é, saltar etapas de formação. E antecipar o percurso natural das coisas, na maioria dos casos, traz consequências graves na vida do atleta, diretamente a nível desportivo, no físico, social, psicológico, de saúde e financeiro, culminando no abandono.
Há diversos casos de jogadores jovens que apresentam uma qualidade superior ao da sua faixa etária e por isso é-lhes colocado desafios no escalão acima. Contudo, é um procedimento complexo e que deverá ter uma enorme ponderação, visto que cada caso é um caso e as respostas de cada atleta varia conforme a sua personalidade e desenvolvimento. Por aqui podemos estar a dar um sentido inverso na formação do jogador. Retirar-lhe do seu ‘’habitat’’ para oferecer maiores estímulos competitivos deverá ser algo a ter em conta, porque não bastam as capacidades técnico-táticas serem altamente desenvolvidas, se ninguém nos garante que estejam preparados física e psicologicamente. A prevenção deste tipo de situações passa por não retirar o atleta do local a que ele pertence.
Constantemente, jovens atletas entre os 16 e os 18 anos são postos em contextos profissionais sem qualquer tipo de preparação para tal. Más experiências por estarem nos cenários inapropriados gera uma série de consequências graves. Um adolescente dessa idade, em princípio, não estará prontificado para repetidas cargas físicas intensas no treino diário (incluindo manhã e tarde), ou sequer capaz de disputar jogos fazendo grandes distâncias e ter resistência para esses comportamentos. Os efeitos desta prática levam à exposição de graves lesões, ao elevado desgaste físico e emocional, incapacidade cognitiva e funcional, etc.
Embora não considere o lado psicológico o mais importante no futebol, uma vez que todos têm igual relevância sendo impossíveis dissociar, é a única componente que afeta diretamente o desempenho do jogador nas restantes áreas. Psicologicamente, os jovens jogadores são menos permeáveis às situações de pressão, tanto interior como exterior. Os rótulos de imprensa e os títulos criados popularmente, tais como, ‘’eterna promessa’’, ‘’jogador enganação’’, ou exatamente o inverso, colocando-os como ‘’novo Messi’’, ‘’novo Ronaldo’’, ‘’Menino de Ouro’’, criam diferentes tipos de sentimentos nos jovens, dos quais não estão preparados para responder à altura, dada a normal inexperiência. O fracasso destas condicionantes traz danos colaterais como a desmotivação, a exclusão, a insegurança, o abandono, em casos extremos, a depressão.
A dificuldade de integração de um jovem nessa situação num clube pode estar ligado ao número de público presente no estádio. Jogar para 10 mil pessoas, por exemplo, que para os espetadores poderá ser um número baixo, para os jovens habituados a ter apenas os familiares e amigos nos seus jogos de formação, é um número elevado do qual nenhum adolescente deveria ser obrigado a aguentar.
Um jogador que não corresponde ao esperado até aos 23 anos de idade é dado como um flop e isso podia ser só algo vindo dos meios midiáticos e da opinião pública, mas muitos dos clubes são os primeiros a fechar oportunidades a jogadores que estão neste constrangimento. Entre um jogador de 19 anos e um de 24, ambos com potencial para desenvolver, a escolha pelo mais novo é quase sempre a predileta, pois nas ideias do mercado, são automaticamente mais valorizados. O que faz sentido, de certa maneira, mas um jogador, só por estar acima da idade jovem estipulada, nem sempre quer dizer que atingiu o auge das suas qualidades. Se calhar até tem mais a desenvolver do que o garoto de 19, mas nunca teve orientação para tal.
O não ‘’ter tempo para ser adolescente’’ é um outro problema que leva ao menor comprometimento com o futebol, principalmente mais tarde. Já em fase adulta, são mais propícios a comportamentos inadequados: saídas à noite, bebida, drogas, atraso ou não comparecimento aos treinos, abandono escolar precoce. Tudo isto causado pelo elevado desgaste emocional.
À nossa memória surgirão diversos exemplos de jogadores que enfrentaram estes problemas. Trago o exemplo de Fábio Paím, o jogador português que se dizia ser melhor que Cristiano Ronaldo à época, inclusive pelo próprio CR7 (algo que não é nada comum). Aos 14 anos já tinha a sedução de vários grandes clubes europeus. Com 16 tinha um contrato profissional e um salário de 20 mil euros/mês (mais de 150 mil/ano), em que o próprio usava e abusava do capital sem qualquer tipo de controlo. Naturalmente, o deslumbre dessa idade fez com que Fábio se torna-se um jovem rebelde e incapaz de lidar com o dinheiro e a popularidade. Escândalos com mulheres e carros e alguns jornais apontam para problemas com drogas e até violações, das quais desmentiu veemente. Nunca se conseguiu afirmar em nenhum clube do principal escalão e a sua carreira caiu a pique, desde o Chelsea até jogar em divisões secundárias estaduais do Brasil num curto período de tempo.
Não faz sentido, neste momento, arrumar um culpado para a carreira de insucesso de Fábio Paím. A única certeza que fica é a de vários intérpretes, que acharam que Paím estava preparado para grandes palcos aos 16 anos de idade, saltando várias camadas de formação e recebendo um ordenado chorudo para poder gastar livremente. Alguém teve o descuidado de lhe lançar aos tubarões e deixá-lo à deriva sem nenhum tipo de orientação. As sequelas estão presentes até hoje, Fábio Paím tem apenas o 7º ano de escolaridade.
Como quem está de fora do processo de evolução do clube e dos jogadores só pode fazer uma avaliação no sentido técnico-tático, é fácil cair no erro de afirmar que um jogador está pronto para voos mais altos. Só que mesmo no elemento técnico-tático, o jogador, na maioria das vezes, necessita de completar a sua formação para aprimorar os fundamentos técnicos e a desenvolver a sua noção tática. Isto porque quando o jogador chega ao escalão final (profissional), os treinos são mais vezes direcionados para um âmbito coletivo e com menos foco individual.
O futebol profissional não se move somente pelo talento de um jogador. E mesmo quando nós achamos que um talento está suficientemente composto para dar respostas ao mais alto nível, ele terá alguma característica menos desenvolvida que irá abalar a sua produtividade. Não adianta falar em ‘’criar casca’’ para combater a inexperiência, quando o choque de realidades é completamente diferente e não advém de um preparo para a situação. Todos nós somos culpados pelo imediatismo e enquanto sociedade é nosso dever evitar o ‘’orgasmo antes do prazer’’ – alastrando para outras áreas da vida.
Deixar uma menção honrosa ao meu professor, Daniel Duarte (professor de Psicologia Aplicada ao Futebol na Associação de Futebol do Porto e Diretor da Escola Superior de Ciências Sociais, Educação e Desporto – IPMAIA), pela inspiração sobre o tema.
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