Lazio: de que forma o Sarrismo pode funcionar na capital?

Depois de anos com Simone Inzaghi, a chegada de Maurizio Sarri representa revolução; mas qual o tamanho dela?

Desde sempre, a trajetória de Maurizio Sarri é associada com revolução. Seja pelo seu estilo esportivo, de muito futebol ofensivo, como também até por fatores fora de campo, como seu posicionamento político mais à esquerda que geraram até mesmo em seus tempos de Napoli páginas como “Sarrismo — Gioia e Rivoluzione” (Sarrismo — Alegria e Revolução, em português).

Depois de tempos gloriosos no Napoli e vitoriosos, embora nem sempre bem quistos, em Chelsea e Juventus, Sarri chega a capital para treinar a Lazio em um contexto em que terá de fazer revoluções aos poucos em relação ao time que foi treinado desde 2016 por Simone Inzaghi.

As características e o jeito de jogar de Inzaghi eram evidentes desde o início com seu 3–5–2, a liberdade que dava a Immobile no ataque, como fazia de Milinkovic-Savic e Luis Alberto ao mesmo tempo trabalhar na construção e na armação de jogadas, e com papéis bem definidos pra homens como Acerbi e Lucas Leiva, além de trunfos como os de Correa e Caicedo.

É bem verdade que homens do contragolpe como Tucu Correa e Felipao Caicedo não estão mais em Formello. Mas a substituição por nomes como Pedro e Felipe Anderson, mais adaptados a um estilo de jogo como o que quer Sarri, pode ser útil.

Afinal de contas, mesmo com a chegada dos dois nomes, de Basic, e Hysaj, o mercado laziale acabou sendo marcado pelo que já é marca registrada da gestão do presidente Claudio Lotito, e que já é uma marca registrada do mercado atual de transferências durante a pandemia: a ausência de dinheiro, fato pelo qual Sarri não costuma reclamar muito.

Mas a revolução se faz de diversas características em relação aos longos anos de Inzaghi. Primeiro, com a mudança de esquema tático: sai o já conhecido 3–5–2, para a chegada do consagrado 4–3–3 sarrista, que desde o Napoli, passou a ser seu principal sistema de jogo. 

No sistema de Sarri, uma das grandes marcas é a pressão alta, com agressividade. A ideia do treinador, que é compartilhada com grandes colegas, como Klopp e Tuchel, é de que pressionar é a primeira arma ofensiva e força você a jogar em um ritmo que é difícil para o oponente sustentar.

Vale destacar que nos grandes momentos contra Empoli e Spezia, no 4–3–3 inicial, meio-campista e lateral se alternavam para estar ao lado do centroavante pressionando os zagueiros, com o restante da equipe cobrindo o meio e seguindo a pressionar mesmo depois do passe ir para a lateral.

Immobile, como centroavante, aliás, merece um capítulo a parte na mudança de ideias. Desta vez, se adapta a um esquema que lhe é um pouco novo nos clubes em que atuou, mas não em relação ao que trabalha com Roberto Mancini na seleção italiana, embora sofra críticas em relação a seu estilo.

As críticas muito se devem a uma certa dificuldade do atacante em alguns estilos, considerando que o 3–5–2 de Inzaghi dava liberdade de movimentação a Ciro entre as faixas de ataque, enquanto o 4–3–3, neste caso, acaba por deixar o campo de ação mais limitado.

Mas a presença de Immobile acaba por resolver um problema que Sarri teve no seu último trabalho, na Juventus, uma vez que o treinador toscano tinha de buscar soluções para o fato de que Cristiano Ronaldo e Higuaín não participavam da fase de pressão, o que por sua vez, Immobile participa sem maiores problemas, sem esquecer a cobertura da linha de passe adversária.

A grande questão será adaptar algumas questões a esse time biancoceleste. Nas laterais, primeiro no lado direito, tanto Lazzarri quanto Marusic oferecem opções tanto para defesa quanto para o ataque, sendo calcados como alas nos últimos anos, enquanto Hysaj já não oferece as mesmas opções em ações mais ofensivas. 

Uma das grandes chaves de qualquer trabalho de Sarri, é fazer a construção a partir do goleiro, natural para quem tem um goleiro como Reina, que trabalha de novo com o treinador toscano, e deve receber a preferência em relação a Strakosha na titularidade.

Mas até aqui, a saída vinda de trás não mostrou seus melhores momentos. Ainda é preciso adaptar nomes como Lucas Leiva, que mantém sua força defensiva, mas que por outro lado, ainda não está habituado a receber linhas de passe com continuidade, e assim, trabalhar com mais constância junto a Milinkovic-Savic e Luis Alberto. 

Milinkovic-Savic, aliás, que foi muito bem visto como regista nos tempos de Simone Inzaghi, pela sua habilidade em jogar de costas para o gol adversário na construção, e deve permanecer nessa função com Sarri, mas por outro lado, há de resolver um ponto: fazer isso com mais facilidade junto aos zagueiros laziali, o que ainda lhe traz dificuldades.

Porém, a chave principal do trabalho de Sarri, é entender a função de seu camisa 10, Luis Alberto. É de se esperar que o treinador toscano tente fazer o jogador espanhol como conseguiu moldar Hamsik em seus tempos de Napoli, um estilo de atleta do qual sentiu falta nos trabalhos seguintes.

Nos tempos de Inzaghi, o espanhol se tornou um grande jogador na liga por conta dos seus movimentos que controlam a pressão, e vão sempre em direção ao portador da bola, e com uma boa habilidade pra escapar da marcação. Uma solução pode ser fazê-lo receber a bola na altura de Lucas Leiva, porém, poderia deixá-lo distante demais do gol adversário.

Mas por outro lado, também deixar Luis Alberto apenas no terço final, poderia tirar uma das melhores habilidades além da capacidade de quebrar linhas do espanhol, o do auxílio na construção. É um fator que pode acontecer, já que Sarri pede que os meias se posicionem sempre atrás do meio-campo adversário, para poder receber por trás nas entrelinhas ou receber em direção ao atacante.

Outra chave do processo laziale serão os ataques em profundidade, o que por outro lado, pode facilitar a vida tanto de Milinkovic-Savic, quanto especialmente de Luis Alberto neste contexto citado acima. A vantagem biancoceleste é que seu elenco é calcado e predisposto ao ataque em profundidade, com nomes como os citados acima, ou outros como Lazzari e até os jovens Raúl Moro e Luka Romero.

O texto de Emanuele Longiardo, para L’Ultimo Uomo, como preview laziale na Serie A, explicita bem a questão do jogo de posição e como isso pode ser aproveitado com as características do time:

No jogo de posição, ameaçar as profundezas de forma credível é essencial para dilatar as malhas do adversário e ativar os homens nas entrelinhas com mais liberdade. Escolher entre controlar uma farpa como Immobile no espaço ou prodígios técnicos como Luis Alberto, Milinkovic e Correa nas entrelinhas é um belo dilema para as defesas. Contra o Twente [amistoso de pré-temporada] o gol da vitória veio graças a uma movimentação em profundidade de Immobile. Noutras ocasiões, o atacante da seleção nacional esteve recebendo diretamente o passe em profundidade na diagonal da defesa, estando a defesa holandesa preocupada com a presença de muitos jogadores da Lazio atrás do seu meio-campo. A Lazio não só tem jogadores rápidos dispostos a receber na corrida, mas também meio-campistas e zagueiros capazes de servi-los no longo prazo: na Itália há poucos lançadores melhores do que Luis Alberto. Mas na Serie A é raro enfrentar times com defesas altas. Porém, haverá momentos na partida que obrigarão os zagueiros adversários a subirem, e nesse ponto, a ameaça em profundidade, a precisão dos lançadores, a técnica e a ocupação racional do campo podem se tornar uma mistura letal. Quem sabe veremos a versão mais direta do futebol de Sarri de todos os tempos, também para não arrastar Immobile para muito longe de sua zona de conforto.

É bem verdade que no clássico diante do Milan, todo o oposto foi visto, com uma Lazio que não conseguia defender no campo do adversário, ficando presa a seu campo de defesa, e atuações apagadas de seus pilares, Luis Alberto e Milinkovic-Savic, tanto com, como sem a bola, além de um Immobile longe do jogo.

Os primeiros jogos deram impressão ao mesmo tempo de céu, com os 9 gols das duas primeiras rodadas com uma excelente atuação coletiva, e de inferno, com a derrota no clássico diante do Milan, embora ainda há muito tempo para se ver a marca do trabalho.

Afinal de contas, falamos de um personagem que nos tempos de Napoli, chegou até a dizer que levaria “3 anos para que o time chegasse ao nível de trabalho do seu Empoli”, trabalho anterior. Frase que a primeira vista foi mal vista pelo exigente torcedor napolitano, mas que acabou sendo vista como um trunfo posteriormente, quando as vitórias começaram a chegar. 

Sarri é um personagem complexo. Para muitos, é curioso que tenha vencido troféus em Chelsea e Juventus, justamente nas aventuras futebolísticas em que esteve menos feliz, e na que esteve mais feliz, com o Napoli, não os venceu. O treinador toscano busca a felicidade e as taças na Lazio. 

Agora, com a chegada de Sarri, o treinador tem o desafio de emplacar na capital o seu “sarrismo”, que já virou até palavra do famoso dicionário Treccani, referência global no estudo da língua italiana. Mas se Roma não foi construída em um dia, é preciso de tempo pra esperar a revolução sarrista no lado biancoceleste da capital. 

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