"Nosso elenco tem 50% de jogadores da base", Ítalo Rodrigues abre o jogo sobre reestruturação do Náutico
Sujeito tranquilo, uma fala calma e muito conhecimento. Executivo do Náutico atende o Footure e fala sobre todo seu período no Timbu
“Eu fui mais um jogador frustrado”. O início da conversa com Ítalo Rodrigues, 34 anos, executivo do Náutico, começou de uma forma mais descontraída. Ele gentilmente atendeu a equipe do Footure para falar sobre o Timbu desde sua chegada, ainda garoto, como um estagiário não remunerado até o título da Série C em 2019.
“Cheguei no Náutico na Série B e cheio de incertezas de salários. Administrativamente precisando de muitos processos a serem implementados. Visão muito de um militarismo. […] O Náutico tinha um horizonte, capacidade, mas não acreditava. O Náutico tinha muita dificuldade, tanto que eu entrei no estágio sem receber nada no clube. Eu tinha um estágio dois dias por semana que me ajudavam a pagar as passagens. Eu fiquei uns 3 meses sem receber material do clube”
Ítalo Rodrigues, em entrevista para o Footure
Depois do período como estagiário, Ítalo foi convidado para ser auxiliar da equipe sub-17 e a partir daquele momento, sua vida no clube mudou. “Apesar da estrutura, tinha coisa pra melhorar. Peguei e comecei a arrumar as coisas da minha divisão de coisas burocráticas”. Foi então que surgiu o convite de Hamilton Correia, então supervisor do profissional, para auxiliar em algumas questões de papelada.
Formado em Educação Física, os escritórios dos clubes não eram a primeira e, talvez, naquele momento, nem a última opção para Ítalo. “Não passava pela minha cabeça ficar sentado numa cadeira e sair do campo. Mas hoje eu posso dizer que estou 100% realizado”. Foram alguns meses adiando a decisão para trocar o campo pelo escritório.
“Todo mundo achava que eu deveria ir, menos eu. Tinha alguma coisa errada. Ai começou e eu ficava louco pra ir pro campo. Eu comecei com auxiliar de supervisor. Olhava contrato pra assinar e todas essa papeladas. Não acompanhava treino, viagem […] Eu vi que precisava buscar meu espaço. Eu gosto de ver jogo, fazer minhas análise, etc. Precisava me capacitar”
Na busca pela capacitação, surgiu a oportunidade para um curso de gestão. O empecilho? Preço. “O primeiro grande curso que eu fiz na área eu fiz custava 17 mil reais. Eu encontrei o coordenador do curso e mandei mensagem no Facebook ele me deu 50% de desconto, mas ainda precisava de ajuda. Eu ganhava um salário mínimo”. A sorte de Ítalo é que o presidente do Náutico aceitou fazer uma permuta com o coordenador do curso e ele conseguiu a bolsa para o curso. Percalços que acabou enfrentando.
AS DIFICULDADES PELA IDADE
Assumindo o cargo de executivo do Náutico ainda na Série B, Ítalo foi efetivado apenas na Série C. Aos 34 anos, a idade era a primeira barreira a se quebrar nas relações com presidentes, dirigentes e treinadores.
“Hoje o que me facilita mais é ter os argumentos de quem viveu no campo. Se eu não tivesse passado no campo, eu teria dificuldade muito grande de sentar e contestar meu treinador. Eu já vim da vida acadêmica, não fui jogador, sou cria da casa e tenho só 34 anos. Eu precisei ir quebrando diversas barreiras para conseguir mostrar. Eu fui efetivado publicamente como executivo só quando o clube caiu pra Série C, por exemplo”
Além disso, a área dos executivos no futebol tem evoluído constantemente e o estudo está se tornando cada vez mais presente na área – mesmo que isso soe um absurdo se pensarmos que antes não era importante. Mesmo assim, clubes ainda apostam na função do Coordenador Técnico para falar de futebol e o executivo apenas na burocracia, algo que preocupa Ítalo. “Tem clube que tem inventado hoje a função do Coordenador Técnico, que eu não concordo. Não vejo a necessidade, fora da base, de ter esse profissional. Porque ter um profissional assim só por ter um executivo que não é capaz de debater futebol. Você acaba tendo que gastar em duas vertentes”
Entretanto, ainda se trata de uma área pouco explorada e com “pouca mão de obra qualificada”, segundo o executivo do Náutico. Os poucos profissionais que existe, já estão contratados.
“Ao mesmo tempo que o mundo do futebol é fechado, falta muita mão de obra qualificada. Eu precisei trocar muitos gestores. Dificilmente você consegue trocar ou buscar pessoas que não estejam no mercado”, complementou.
A REESTRUTURAÇÃO DO NÁUTICO
“Em 9 anos de clube eu tive 7 presidentes diferentes e 20 diretores. Teve pelo menos dois ou três anos que eu tive quatro presidentes… até isso tudo estabilizar no meio de 2017”. A realidade do Náutico era a de muitos clubes brasileiros e dentro deste processo, Ítalo precisou atravessar alguns furacões.
Somente após a queda para a Série C em 2017 é que Ítalo conseguiu conversar com o presidente e apresentar o planejamento completo da temporada. Foi então que tudo mudou. “Precisamos definir o perfil de atletas, ser mais assertivos, não temos capacidade para pagar os agentes e eles vão precisar encontrar no Náutico uma perspectiva futura”. Estas foram suas primeiras palavras.
Dentro deste trabalho, alguns conceitos eram muito importantes para conquistar o acesso para Série B. Por se tratar de um campeonato onde os jogos aconteciam apenas uma vez por semana, contratar jogadores experientes e acostumados com partidas naquela divisão seria importante.
“São 12 pontos importantes para contratar, entre eles: títulos conquistados, acessos disputados, e liderança. 25% do elenco precisava ser da base. Inclusive, o vice-presidente conseguiu colocar no estatuto que é obrigado o elenco do profissional ter estes 25%. Hoje, acaba que temos 50% atualmente. E ainda tem o espaço para 10% de apostas. Jogadores com contratos curtos de 3 até 6 meses e que vemos potencial.
Ítalo Rodrigues contando o modelo do clube
Neste projeto, já são diversas vendas e o dinheiro entrando em caixa. “De 2018 pra cá foram vendidos 7 ou 8 atletas. Nunca vendemos tanto na nossa história“. Com isso, o clube começou a pagar suas contas e a credibilidade retornou para o Timbu. “A credibilidade começa a vir rápido se você acerta em dois, três meses os salários por exemplo. Com as notícias boas, as coisas começaram a mudar”, complementou Ítalo.
O mais difícil foi manter a tranquilidade dos dirigentes após alguns resultados não darem certo. “O mais difícil é segurar o estatutário. É você tomar cinco e ele sair consciente que agora ele não poderia tomar decisões, se acalmar e ser racional. Em 2018 a gente fez isso e o presidente esteve de parabéns. As vezes o negócio não andava. A gente passou boa parte da Série C na zona do rebaixamento, mas a gente enxergava coisas boas e buscamos encontrar o problema”.
O Náutico agora vive outro momento.
A IMPORTÂNCIA DA TORCIDA E O PRÓXIMO PASSO
Tão importante quanto um elenco forte, ter a torcida ao seu lado era fundamental na retomada e o Náutico conseguiu recuperar a autoestima do torcedor “A torcida era um vulcão adormecido. Nós tivemos a maior renda do estado mesmo tendo a menor torcida segundo as pesquisas e a maior receita da história do estado”.
Não foram poucas as histórias dos torcedores que estavam decepcionados, mas viram a recuperação com o título estadual e depois da Série C.
“A torcida do Náutico estava numa situação complicada. Cansei de ver torcedor do Náutico que dizia que não iria mais pro jogo que não torcida pro Náutico. Um torcedor uma vez me contou que o filho dele pedia um iPhone, a criança tinha 10, 12 anos. Ele comprou o iPhone. Passaram uma ou duas semanas, e a criança falou que não queria o iPhone, mas sim o Náutico campeão porque ele nunca tinha visto”
Com o futebol parado devido a pandemia do COVID-19, o futuro ainda é incerto quanto ao futebol no país, mas Ítalo tem apenas uma certeza: “a gente não quer que o clube dê um passo pra trás novamente. A gente não quer regredir financeiramente”.
E se mantiver o trabalho como é desde seu período como estagiário, é a certeza de uma história com final feliz para o Timbu nos próximos anos.
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