O Corinthians de Arthur Elias
Arthur Elias enxerga o futebol de maneira ofensiva e intensa, mas com muita organização coletiva também quando precisa se defender. As jogadoras buscam a bola o tempo inteiro e, apesar do controle que tem com a posse, em momentos de transição também procuram o jogo mais vertical.
O time titular hoje possui diversas alterações causadas por lesões de grandes nomes. Gabi Nunes, Diany e Adriana, por exemplo, são jogadoras de alto nível, algumas com experiência de seleção brasileira, todas no departamento médico. Grazi (volante capitã) e Cacau estão retornando ao time nessa reta final de temporada. Isso mostra que além do grande trabalho coletivo, temos disponível um elenco muito forte que consegue manter o alto nível de jogo mesmo desfalcado e improvisando jogadoras em posições e funções diferentes. Dificilmente o Arthur Elias repete escalação, inclusive as goleiras que revezam bastante a titularidade.
Como o time de Arthur Elias se defende?
O Corinthians normalmente se defende no 4-4-2, onde as duas jogadoras mais à frente pressionam o portador da bola e fecham as linhas de passe por dentro, forçando o adversário a sair pelos lados ou buscar o passe longo (Pardal e Mimi comandam a última linha alta do Corinthians e usam de seu entrosamento para deixar as atacantes rivais em impedimento nesse tipo de lançamento ou para disputarem a primeira bola com cobertura uma da outra). No lance da imagem, a jogadora do Santos opta pela saída no corredor, mas o passe é interceptado pela Gi, corinthiana responsável por sua marcação e se torna uma jogada de perigo do Corinthians, que ocupa o último terço nessa saída com 7 jogadoras.
Quando o adversário consegue encontrar espaços para sair jogando por dentro, o Corinthians se compacta defensivamente para não permitir que essa subida ao ataque ocorra de forma rápida e com espaços para organização das jogadas. Para sufocar o adversário, as comandadas do Arthur Elias fecham o espaço da portadora da bola, criando uma zona de pressão difícil de ser superada. Assim, impede ligações ao ataque e obriga as jogadoras adversárias a permanecerem no campo de defesa para tentar competir espaços com as inúmeras corinthianas, além de dar tempo para que a ultima linha de marcação se organize, quando em situação de contra-ataque.
Se o adversário consegue quebrar essa marcação, como foi no caso da jogada dos prints explicativos, a maioria das jogadoras ainda estão no campo de defesa, encaixotadas pela ultima linha defensiva do Corinthians que se posta de forma alta para impedir que alguma jogadora rival receba a bola em boa condição de ataque.
Pardal e Mimi, nossa dupla de zagueiras que jogam juntas há anos, são fundamentais nesse esquema. Tanto para recuperar a bola e acelerar a transição ofensiva com a capacidade que elas tem de executar passes que quebram linhas e lançamentos longos, como na recomposição quando o time adversário consegue fazer fluir o jogo. Além do que, as duas tem boa leitura de jogo e fecham o espaço das jogadoras mais adiantadas, com bom tempo de bola para o bote. Dificilmente o Corinthians permite situações em que suas defensoras precisem correr atrás das adversárias, a dupla se posiciona para fazer o combate de frente e tem bom aproveitamento nessa disputa.
Como o Corinthians ataca em bloco e com muita movimentação no último terço do campo, todas as jogadoras precisam ter essa consciência defensiva para recomposição. Uma por todas e todas por uma. No lance em questão, é possível ver a Érika, atuando como volante na partida, fechando a última linha para cobrir a lateral Juliete. As jogadoras de meio de campo tem como função nesse momento, perseguir a portadora da bola, não deixá-la ter espaço para pensar a jogada e encontrar companheiras em condições de receber o passe. Além de, claro, tentar o bote. Essa pressão na zona da bola tem objetivos. São eles, tanto recuperar a posse com número de jogadoras suficiente para fazer a transição ofensiva, como retardar o ataque adversário, dando tempo para a recomposição defensiva das jogadoras que foram vencidas na marcação alta.
Quando o adversário consegue controlar a bola mas é impedido de buscar o jogo vertical, o Corinthians se organiza e o desenho tático (1-4-4-2) fica mais perceptível.
Nesse momento, a marcação é feita por zona com perseguições curtas e médias, que nada mais é do que uma jogadora alvinegra deixando sua posição na linha para perseguir individualmente a portadora da bola, mas raramente deixam seu setor, e quando fazem a perseguição um pouco mais longa, outra jogadora ocupa seu espaço para sustentar a linha defensiva e impedir que alguma adversária ataque o espaço deixado.
Nesse print, a Juliete estava adiantada para receber a bola em momento de transição ofensiva, mas o Corinthians perdeu a posse e a jogadora da Ferroviária ocupou o espaço em suas costas. A Pardal partiu para a perseguição curta e a Juliete recompôs a linha ocupando o espaço deixado pela zagueira.
E como é o ataque alvinegro?
O time do Arthur Elias tem os dois momentos de ataque muito bem definidos. Enquanto em transição, ou seja, quando rouba a bola e sai em contra-ataque, o time procura acelerar as ações para tirar proveito de uma frequência superioridade numérica que sempre procura obter na zona da bola. A Victória Albuquerque é uma jogadora que contribui muito nesse momento, está sempre atenta para puxar o contra-ataque, seja roubando a bola, acionando as meninas de frente ou sendo a opção para saída em velocidade. Não à toa é líder em passes-chaves no time do Arthur Elias (veja no Instagram do @sccpscouts o vídeo com lances que mostram essa característica da jogadora).
O ataque posicional do Corinthians acontece a partir do desenho 2-3-5 (com a lateral oposta as construções das jogadas fechando pelo meio para recompor e fazer a linha de três defensiva em caso de contra-ataque adversário). A saída de bola, dependendo da marcação adversário, ocorre no 3-2, como é possível ver a imagem ao lado. Mais uma vez nossa dupla de zaga merece menção honrosa pela capacidade que tem de trocar passes para encontrar o melhor espaço de saída e associação com a linha de 3 à frente para sair de possíveis zonas de pressão. Se o adversário povoa mais o campo de ataque para dificultar esse jogo curto, uma das laterais se aproxima e a saída ocorre no 3-2. Se o adversário faz uma marcação muito alta, as goleiras tem papel fundamental nessa saída. O Corinthians é um time que joga de forma compacta, faz sua movimentação em bloco, e as jogadoras se movimentam muito e invertem posições frequentemente para encontrar espaços e progredir com a bola. Tanto pelo meio, com apoio de uma volante que faz triangulações com a nossa camisa 10, Gabi Zanotti, com as laterais que dentro desse contexto, constróem muito por dentro e são opção de progressão, com a Vic também que recua para participar desse momento, como pelo corredor com muita triangulação entre as meio campistas, laterais e pontas.
Veja nessas três imagens, uma jogada construída a partir do corredor com Tamires (ponta esquerda), Zanotti (meio campista), Juliete (lateral esquerda) e Vic Albuquerque (meia atacante) triangulando. Repare que a Ingryd apoia pelo meio e a Gi Crivelari acompanha para receber o cruzamento e finalizar.
Quando a zona de pressão é muito forte, nossas jogadoras também tem como alternativa a ligação direta. Não trata-se de lançar a bola à frente e ver no que dá, as jogadoras de ataque se posicionam para oferecer essa opção.
Especialmente pelo lado esquerdo, com Juliete e Tamires, as duas tem muita capacidade de visualizar as jogadoras de frente como opção em profundidade e lançá-las.
Na imagem, Juliete lança Gi Crivelari e a jogada termina em gol corinthiano. A Crivelari, aliás, vai muito bem nesse tipo de lance. É uma jogadora que tem explosão física, briga muito bem pelo espaço com as zagueiras, é veloz e tem muitos argumentos técnicos para concluir as jogadas. Nesse lance, ela recebe em profundidade, faz jogo de corpo para se livrar da marcação, toma à frente, limpa a zagueira dentro da área a toca entre a goleira e a jogadora que chegava para tentar impedir sua finalização.
Sempre que falamos em saber a hora de acelerar o jogo, controlar a partida na posse, limpar jogadas para progressão ofensiva, ninguém melhor que Gabi Zanotti. Além do que, é uma jogadora que pisa muito na área para finalizar as jogadas. Se apresenta em todos os setores de transição ofensiva para ser opção e ditar as regras da equipe. Rouba muitas bolas, principalmente no campo ofensivo para acelerar a transição, mas também é importante se posicionando para ajudar a volante a proteger a área. A camisa 10 é muito inteligente jogando com e sem a bola. Uma meia campista clássica mas com a movimentação que o futebol moderno exige.
Nesse lance, Pardal e Mimi alinhadas atrás e atentas ao jogo para deixar a santista que ocupa o espaço da Juliete, que sustenta a linha do meio na organização do ataque, em posição de impedimento. Ingryd, Zanotti e Juliete pelo meio trocando passes e servindo de apoio caso a jogada precise ser reiniciada e 5 jogadoras à frente com a lateral direita dando amplitude. Vic de costas para ser opção de pivô. Tamires também é opção de passe pelo corredor e Millene (muita inteligência de posicionamento, mobilidade para participar das construções e precisão na finalização. Não à toa é artilheira recordista do campeonato brasileiro) e a Gi Crivelari pronta para sair em velocidade como opção de passe em profundidade.
Veja as opções:
Todas as jogadoras em campo são muito participativas em todos os momentos do jogo. Apoiadas em um sistema muito bem definido, elas possuem liberdade para fazer o jogo individual, inverter posições e até mesmo funções com bola rolando. Sempre que alguém se “desagarra” do desenho tático, outra ocupa o espaço. Por isso, o Corinthians opta por contratações de jogadoras versáteis. Tamires, vinda da copa do mundo onde atuou como lateral esquerda, joga como ponta nesse time mas troca muito durante o jogo com a lateral Juliete. Constrói muito bem por dentro e aparece até na direita para ser opção de desafogo. Essa capacidade dela de atuar em diferentes fases e setores do campo, aumenta ainda mais a mobilidade das outras 4 jogadoras que formam a linha de ataque, complicando mais ainda a vida de quem tem que se defender. Imagina você ser zagueira e ver Victoria Albuquerque, Gi Crivelari, Milene e Tamires se movimentando com muita intensidade e acompanhadas de perto por Gabi Zanotti que vai fazendo o ataque girar? E nem tente tirar a bola delas, Ingryd está logo atrás para ser opção de recuo e recomeçar quantas vezes precisar.
Um ponto de destaque do Corinthians de Arthur Elias, é o modo como sua equipe consegue transitar entre um bloco médio de pressão para um bloco mais alto, sem perder rendimento ou se movimentando de maneira descoordenada. É algo fundamental dentro do estilo de jogo do treinador e o modo como a equipe absorveu a ideia e trabalho com muita concentração para executar, salta aos olhos.
O Corinthians tem a dupla de zaga mais entrosada do futebol brasileiro e além de toda responsabilidade criativa, Pardal e Mimi são referencias também pelo modo como alternam entre uma abordagem mais conservadora ou uma mais agressiva, sempre tendo uma alta taxa de acerto em suas tentativas de desarme e no modo como trabalham para evitar a criação de linhas de passe, dentro da organização ofensiva das equipes rivais.
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Foto de capa: Bruno Teixeira/Corinthians
Participação: Henrique Mathias (análise e números), Timão Mulher (números) e Movimento Alvinegras (números)
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