O domínio do País Basco na cantera espanhola
Pichichi, Iker Munian, Fernando Llorente, Xabi Alonso, Xabi Prieto, Antoine Griezmann, Andoni Goikoetxea. Historicamente reveladores, agora a região autônoma domina as canteras espanholas com uma nova safra.
A região autônoma do País Basco é repleta de belezas naturais, arquitetura estonteante e uma paixão visceral pelo futebol. Uma das maiores rivalidades do esporte é o Derby Basco entre Athletic Club, de Bilbao, e Real Sociedad, de San Sebastián, que automaticamente coloca duas grandes províncias em choque: Biscaia x Gipuzkoa.
Embora anos tenham passado e a diferença de investimento de Real Madrid e Barcelona para os demais tenha aumentado, o Athletic ainda é o terceiro clube com mais troféus na Espanha, com 36 taças. A Real Sociedad é a oitava equipe com mais títulos no país, com 6 pratarias.
A disparidade do gigante de Bilbao para com o tradicional selecionado de San Sebastián serviu de motivação para o surgimento de uma força motriz no futebol espanhol, que ficou escancarada na última temporada e no início da atual.
Dentre as cinco maiores ligas europeias na temporada 2020/21, três clubes espanhóis lideraram o ranking da CIES Football Observatory na média de emprego de jogadores revelados no clube com idade entre 15 e 21 anos. Quem puxa a fila é o Celta de Vigo com 49% de pratas da casa utilizadas por Eduardo Coudet. Depois, os gigantes bascos com 48,5% (Real Sociedad) e 40,6% (Athletic Club).
Na sexta-feira passada, 3 de setembro, a Espanha Sub-21 entrou em campo para vencer a Rússia Sub-21 por 4×1 pelas eliminatórias da Euro. Na escalação inicial, o meio-campo titular de Luís de la Fuente era um misto de Lezama (Unai Vencedor, da academia do Athletic) com Zubieta (Beñat Turrientes e Roberto López, da academia da Real). No banco havia mais cinco jogadores da dupla dinâmica: Julen Agirrezabala (goleiro do Athletic), Jon Pacheco Dozagarat (zagueiro da Real Sociedad), Nico Williams (extrema do Athletic), Jon Karrikaburu (atacante da Real Sociedad) e Ander Barrenetxea (extrema da Real Sociedad). Os três últimos entraram em campo no segundo tempo na goleada da Roja.
A subsistência das canteras de Lezama (Athletic) e Zubieta (Real Sociedad) é colocada numa lupa se ampliarmos o leque. Três jogadores que foram formados nas duas academias entraram como titulares da Espanha no empate por 1×1 com a Itália na semifinal da Euro: Unai Simón (Athletic), Aymeric Laporte (Athletic) e Mikel Oyarzabal (Real Sociedad). Contra Kosovo, na vitória por 2×0 pelas eliminatórias para a Copa do Mundo, foram três titulares: Unai Simón e Aymeric Laporte novamente, além de Iñigo Martínez (que hoje atua pelo Athletic, mas é revelado na rival Real Sociedad). Na equipe que representou a Espanha na Euro Sub-21 na fase de mata-mata tinha os exemplos de Martín Zubimendi (Real Sociedad) e Oihan Sancet (Athletic).
A história do Athletic e a restrição do elenco para atletas e descendentes bascos é conhecida, assim como a suntuosa Lezama, sobre a qual falamos na história de Nico Williams — que você pode rever clicando aqui. No entanto, o sucesso dos Leões de San Mames no Século XX foi preponderante para a mudança de mentalidade da Real Sociedad.
Assim como o eterno rival, os txuri-urdines, ou simplesmente alviazuis em basco, era um clube apenas para bascos, sobretudo para os nascidos na região de Gipuzkoa. Entretanto, em 1989, no auge do Athletic, a Real decidiu acabar com a restrição e começou a contratar atletas de outra nacionalidade. Em 1996, as reformas em Zubieta começaram juntamente com a incorporação de analistas de desempenho.
Ao contrário da equipe de Bilbao, os alviazuis de San Sebastián usam uma abordagem mais soft nas primeiras camadas da academia. Não é do estilo da Real Sociedad empregar jogadores abaixo dos 12 anos de idade, apesar de monitorar as escolas e projetos da região de Gipuzkoa. Não existe equipe competitiva abaixo dessa idade no clube, porque a agremiação entende que “crianças devem ser crianças”. Não que os garotos e garotas que chegam ao clube com 12 anos em diante não sejam, porém, o acompanhamento da grade escolar, especialmente nas aulas de educação física, é constante.
A filosofia dos profissionais em Zubieta é trazer jogadores mais velhos do que o normal porque ela cria uma segurança maior para o clube. Do ponto de vista da Real, a chance de erro é menor e o atleta que desembarca nas instalações terá o perfil de um jogador da equipe principal. Ela já terá amadurecido como pessoa, vivenciado a infância e, o mais importante para os alviazuis, ter escolhido a Real Sociedad por conta própria.
Luki Iriarte, diretor de futebol de base, é o responsável pela implementação da big data na análise de desempenho dos meninos da cantera. A partir do momento que eles assinam um contrato de formação até o último dia como atleta profissional do clube, os jogadores têm um perfil completo e recheado de informações.
Além disso, a metodologia é importante na captação. Antoine Griezmann, hoje no Atlético de Madrid, é a ilustração perfeita da utilização da big data no clube, que fora implementada bem antes do que se imagina. Apesar do talento latente, o jovem Griezmann colecionou dispensas de clubes franceses por conta do físico e estilo de jogo inadaptável ao modelo que é praticado no país.
Inicialmente, Griezmann foi pinçado por conta da habilidade e visão de jogo. Posteriormente, o clube trabalhou para que o francês aprimorasse outros gestos, modelando-o ao estilo da equipe principal. O resultado todos já conhecem, sendo até hoje um case de sucesso que a equipe de San Sebastián se aproveita para o recrutamento de outros atletas.
A importância da cantera não se restringe apenas aos jogadores. O atual treinador da equipe principal é Imanol Alguacil, que foi revelado pela Real e que após a aposentaria virou treinador na base. O técnico campeão da Copa do Rei, contra o Athletic, conhece Zubieta como a palma da mão e tem tirado muito proveito dela. Apesar de não ser um processo constante no clube, ainda há o caso de Jagoba Arrasate, que treinou a Real Sociedad entre 2013 e 2015, tendo sido técnico do sub-19 anteriormente.
Aliás, esse processo pode ser repetido caso Imanol saia do comando técnico dos alviazuis no futuro. E quem poderia ser o substituto? Xabi Alonso. O histórico meio-campista da seleção espanhola e do Liverpool foi, na realidade, revelado em Zubieta e atualmente trabalha como treinador da equipe B, também conhecida como Sansa. Alonso, inclusive, teria rejeitado propostas para ser o treinador principal de equipes tradicionais na Europa visando o plano de carreira no clube de coração.
Atualmente, Zubieta está entre as melhores academias do futebol europeu, juntamente da rival Lezama, que era o chamariz do País Basco, mas hoje elas se encontram em pé de igualdade. A despeito de que as duas maiores escolas da região tenham filosofias e abordagens diferentes em sua formação, ambas compartilham do orgulho basco e a tradição em revelar jogadores. Tanto para o Athletic quanto para a Real, o desenvolvimento do indivíduo é mais importante do que do que as cifras que, ocasionalmente, caem nos cofres dos clubes.
Sem embargo, o País Basco não é feito apenas do antagonismo de Athletic e Real Sociedad. Alavés, da cidade de Vitoria-Gasteiz, e Eibar, de Gipuzkoa, são presenças constantes na elite espanhola, apesar do recente rebaixamento do último. Além da dificuldade de competição em La Liga, Alavés e Eibar sofrem com a competição interna. Embora seja uma região rica em jogadores talentosos, a esmagadora maioria acaba optando pelos gigantes da região. Tanto que é difícil ver alguma promessa se destacando na equipe principal de cada uma, que por sinal acaba se sujeitando a contratações de jogadores experientes visando a manutenção na elite.
Outro caso interessante é o do Osasuna, da cidade de Pamplona em Navarra. Apesar de pertencer a uma região atualmente separada do País Basco, os Rojillos são a única equipe do campeonato espanhol cujo nome está escrito em basco. Historicamente, Pamplona é considerada a capital cultural dos bascos e Osasuna significa “vigor” ou “saúde”, ideais marcantes do povo dessa região. Inclusive, um dos principais rivais da equipe vermelha é justamente o Athletic, que por muito tempo foi a bandeira do nacionalismo basco.
Curiosamente, um dos jogadores mais importantes e simbólicos do elenco do Athletic é Raúl García, que é cria do Osasuna. Na Real Sociedad você encontra Nacho Monreal e Mikel Merino, também formados nas categorias de base dos Rojillos. Na seleção principal e no Chelsea temos o exemplo de César Azpilicueta. Na Euro Sub-21 passada, Luís de la Fuente convocou Álvaro Fernández, hoje no Brentford, mas que fora revelado no clube de Pamplona.
Assim como acontece com Alavés e Eibar, o Osasuna possui dificuldades para manter atletas a longo prazo, necessitando da renda financeira gerada por suas transferências. No entanto, os vermelhos de Pamplona historicamente revelam mais atletas.
Não é de hoje que o mundo do futebol está ficando dispare. Por mais que haja uma subsistência de Athletic e Real Sociedad com suas maravilhosas canteras, os clubes estão longe de serem competitivos. A compreensão da realidade fica mais clara quando se olha para os casos dos clubes menores, que acabam ofuscados pela dupla.
As futuras joias do País Basco
Athletic:
A grande estrela oriunda das canteras do Athletic é Nico Williams, que você já viu por aqui. No entanto, é prudente acompanhar de perto o desenvolvimento de Unai Vencedor (2000) e Oier Zarraga (1999). A única coisa que difere os dois é a idade. Ambos são meio-campistas com o pedigree de Lezama: jogadores que pressionam muito bem o adversário, roubam bolas e mantém o ritmo do jogo.
Outro nome importante que frequenta o meio-campo é Nico Serrano (2003), que esteve com a seleção sub-19 para amistosos na Data Fifa. Habilidoso e criativo, ele é constantemente comparado a Iker Munian por seu estilo de jogo, por ser canhoto e por atuar pela faixa esquerda do gramado, podendo também atuar como extrema.
Real Sociedad:
Com uma equipe titular formada por praticamente 80% de jogadores originários da base, não é novidade para muita gente os nomes de Martín Zubimendi, Mikel Oyarzabal, Ander Barrenetxea, por exemplo. Entretanto, uma grande joia de Zubieta devem ganhar ainda mais espaço no elenco de Imanol por sua proeminência na equipe B e por convocações para a equipe sub-21 da Espanha.
Beñat Turrientes (2002) atua como meia-central, é destro e mede 1,80m de altura. Ele se notabiliza pela inteligência de jogo, podendo ser um volante mais defensivo ou um segundo homem que ajuda na distribuição de jogo. Turrientes é refinado nos passes longos e verticais, além de ajustar e girar o corpo com facilidade.
Alavés:
Os babazorros tiveram dificuldades para montar o elenco para a temporada 2021/22. No entanto, Javier Calleja tem a disposição Javi López (2001), um dos poucos jogadores abaixo dos 23 anos no elenco. López é defensor por natureza, podendo atuar em linha de três como zagueiro ou como lateral-esquerdo numa linha de quatro. Devido a fragilidade da equipe, o setor defensivo costumeiramente fica exposto e isso pode interferir na evolução de López.
Osasuna:
Não tão jovem quanto os demais, porém, com muito potencial de evolução está Jon Moncayola (1998). Com inúmeras convocações para seleções de base da Espanha – participando da última Euro Sub-21 e da Olimpíada de Tóquio -, o cadete do Osasuna tem o estilo de jogo semelhante ao de Mikel Merino, que marcou época no clube antes de se transferir para o Borussia Dortmund. Moncayola é resistente, podendo fazer o área-a-área com eficiência. Além disso, o meia possui bom passe e boa infiltração na grande área.
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