O que é a linha sustentada, conceito dominado por Tite e Mano Menezes e que fez sucesso no Corinthians
Ao Footure, Bruno Pet, Caio Gondo e Rodrigo Coutinho explicam o mecanismo defensivo que ganhou destaque na última década
O futebol é o que conhecemos por ser cíclico. Ideias que não eram vistas há décadas podem, amanhã mesmo, ser praticadas, impondo um outro nível de competitividade. É o que acontece, atualmente, com o sistema de três zagueiros. Visto com frequência no Brasil e no mundo, a linha com cinco defensores foi uma das pautas mais relevantes da Eurocopa 2020 – realizada neste ano. No entanto, como qualquer escolha que receba holofotes, o sistema trouxe dúvidas no momento da análise.
Passou a ser comum a confusão entre um sistema que dispõe de três zagueiros e outro que defende-se com uma linha de quatro jogadores, mas que se sustenta com mais um ou dois no momento defensivo. É a chamada linha sustentada, cujo termo não deve ser tratado como novo no futebol – tampouco o seu uso.
O mecanismo ganhou mais relevância no Brasil com o sucesso do Corinthians nas mãos de Mano Menezes, Tite e Fábio Carille, treinadores adeptos de uma fase defensiva mais organizada e protegida. Em 2017, ao tomar conhecimento do assunto, Caio Gondo, hoje analista de desempenho do Vila Nova, foi um dos primeiros a publicar materiais táticos acerca do tema: “Na época, o conceito de linha sustentada estava começando a ser dito e debatido em programas de televisão e nas análises na internet. Diante desse cenário e com poucas evidências claras do que era o conceito, acabei publicando materiais sobre o assunto”, explicou.
A linha sustentada pode ser considerada como tal quando uma equipe, que protege-se com uma linha de quatro ou cinco, conta com o retorno de mais um ou dois jogadores – os pontas, majoritariamente. Ainda assim, pela velocidade no momento do jogo, é algo que causa confusão nos torcedores. “Na verdade, é comum confundir, porque o desenho das duas linhas acaba sendo igual”, entende o analista tático Bruno Pet.
“A forma de você não confundir”, prossegue Pet, “é tentar anotar a intenção e o jogo como um todo. Quando está com uma linha de quatro e, a partir de determinado momento, você vê algum dos extremos acompanhando lateral ou ponta adversário e entrando nessa linha formando uma linha de cinco, você consegue perceber que passa a ser muito mais uma linha sustentada do que qualquer outra coisa. Agora, quando você já parte de três zagueiros com dois alas que voltam, consegue perceber que não é uma linha sustentada e, sim, uma linha de cinco propriamente dita”.
Frequentemente, ouvimos que futebol é cobertor curto pelos prós e contras ao assumir posturas dentro de campo. Para Caio Gondo, com a linha sustentada não se torna diferente: “A equipe acaba tendo maior proteção de seu gol, pois haverá, até o máximo de tempo possível, defensores no funil (entrada da área). Por outro lado, os demais jogadores que estão defendendo precisam entender que os seus defensores só irão sair da linha em caso de extrema necessidade. Além disso, há a compreensão de esses jogadores estarem aptos para entrar na linha, caso algum defensor saia da linha defensiva”.
Além da confusão entre os sistemas, surge a dúvida sobre os modelos de marcação. Equipes que marcam predominantemente por encaixes também praticam a linha sustentada? Gondo explica: “Na marcação por encaixe, um de seus pontos mais fortes é evitar com que com o adversário perseguido domine e gire com a bola. Já a marcação zonal privilegia a defesa do espaço e, assim, pressiona o adversário que acaba aparecendo nele. Se caso o time adversário troque de jogador no espaço, não há perseguição, mas transferência de jogador para pressionar o adversário novo. Diante disso, o conceito de linha sustentada só há na marcação zonal”.
Dentre os grandes argumentos replicados nas análises e partidas, o de que o extremo não pode retornar ao campo defensivo para marcar o adversário, papel primordial para quem deseja sustentar a primeira linha, é um dos mais abordados. Contudo, Rodrigo Coutinho, colunista do UOL Esporte e analista de desempenho, entende de outra maneira. “O Flamengo foi campeão brasileiro de 1992 e tinha pontas que faziam isso. O Paulo Nunes e o Júlio César voltavam até a lateral da área para marcar, e hoje tem gente que fala que ponta não pode fazer isso. Pode, sim, tem que fazer, porque o futebol mudou. É um esporte que oferece uma maior capacidade de preparo físico aos jogadores”, avalia.
“Se você tiver um ponta como o Neymar, é um desperdício fazer com que ele baixe muito para marcar, porque você tem que pensar na sua transição ofensiva. Ganhar ele na sua transição ofensiva é muito mais benéfico, no meu modo de ver. Mas, se você tem dois jogadores acima da média, um deles vai ter que voltar para marcar. Não tem como você fazer uma fase defensiva, hoje, com menos dois jogadores voltando pra marcar. Todo mundo tem que marcar.”
Com o surgimento de novos termos no dicionário do futebol, muitos acabam perdendo sentido ou se repetindo. É o que se passa com a linha sustentada, que, em determinados momentos, associa-se com a saída sustentada. Trata-se, como o nome dá a entender, de uma saída de bola onde, ao invés de ser reproduzida por apenas três jogadores (a chamada lavolpiana), mais jogadores participam.
Pela semelhança entre os nomes, há confusão. Para que isso não aconteça, Rodrigo Coutinho separa os termos pelos objetivos: “A linha sustentada, quando você está defendendo, é para proteger os espaços. Quando você está atacando, é para ter mais opções de passe na primeira linha. Eu, geralmente, não utilizo muito essa nomenclatura, eu falo saída convencional porque é uma saída normal. Antigamente, era só essa saída que tinha”.
“O primeiro ponto”, conclui Coutinho, “é entender a fase do jogo. Fase defensiva, estou sendo atacado. Fase ofensiva, estou atacando. São objetivos totalmente diferentes, e seria saudável a gente não utilizar a mesma nomenclatura, porque a pessoa que está começando acaba confundindo”.
Comente!