Por que Bonucci vai tão bem e De Ligt começou mal, mas cresce na Juventus
Porque o jogo de Maurizio Sarri pela Juventus potencializa as qualidades de Bonucci e evidencia os erros de De Ligt
Temporada 2016–17. Bonucci é reconhecido como um dos melhores zagueiros do mundo pela crítica. Mas tem problemas com Allegri, com forte discussão recheada de palavrões e xingamentos filmada durante a goleada juventina contra o Palermo, por 4–1.
Bonucci chegou a ficar de fora contra o Porto pela Champions, mas logo as brigas com Allegri e com alguns do elenco, especialmente na polêmica sobre a briga no vestiário no intervalo da final da Champions contra o Real Madrid em 2016–17 acabaram minando seu status.
A consequência dessas brigas, foi a ida polêmica para o Milan, contratado para ser um dos líderes da reconstrução rossonera e ajudar na evolução de Romagnoli, além de colocar de novo o Diavolo no caminho das copas e rumo a futuros títulos.
Mas alguma coisa acontecia de errado naquele período rubro-negro. O seu físico não era mais o mesmo, o seu posicionamento tinha problemas, apesar dos problemas técnicos do próprio Milan que causaram até a demissão de Montella em outubro pra vinda de Gattuso. Cresceu na temporada 2017–18, mas algo lhe faltava.
Depois de uma temporada de “exílio” no Milan, ele voltou para a Juventus, acabou engolindo Allegri. O início acabou não sendo dos melhores, com tantos erros e adversários parecendo jogar em cima de seus erros. Mas com o tempo, Bonucci cresceu e se adaptou de novo ao sistema da Juve.
Até que Allegri saiu, muito por conta da eliminação para o Ajax na Champions, e veio Sarri para a Juventus. Uma escolha revolucionária para os bianconeri na tentativa de se alinhar ao jogo praticado por outros campeões europeus e que consagrou Liverpool e Tottenham, e consagrou o guardiolismo, por exemplo.
Bonucci ganhou fama por conta da ideia de que ele era um jogador moderno. O zagueiro que não apenas defende, mas que é um dos primeiros homens da fase de construção de jogo e que qualifica muito bem a saída de bola, razão pela qual foi muitas vezes bem visto por gente como Guardiola.
A segurança e habilidade na fase de posse de bola, que em 2010, quando Bonucci chegou a Juventus, eram necessárias, mas não qualidades comuns entre os defensores, mas ao longo da década, viraram quase um pré-requisito necessário para pode jogar em alto nível.
O problema é que nas últimas temporadas do futebol de alto nível, de pressão agressiva sobre a saída de bola e linhas cada vez mais altas, os defensores agora tem a obrigação de muitas vezes fazer cobertura de grandes espaços de campo, seja contra atacantes não tão rápidos, ou contra outros velocistas, como Salah, Mbappé, entre outros.
Nesse aspecto, o sofrimento de Bonucci nas últimas temporadas era grande, por conta de ser um defensor que tinha problemas na cobertura e na proteção da defesa, talvez por conta de que o sistema juventino nos tempos de Conte e nos tempos de Allegri não fazia necessário isso.
Até por conta desse sofrimento, a Juventus fez o grande investimento que fez em De Ligt, com cerca de 80 milhões de euros pagos para tirá-lo do Ajax. Considerava ali, o holandês como o jogador com a alcunha de defensor moderno que Bonucci parecia ter congelado no espaço.
E nisso cabe a pergunta: De que forma Bonucci melhorou com Sarri? Claro que isso tem a ver com o que o jogador é requisitado a fazer. A marcação dos times de Sarri costuma ser feita por zona, e pede que a posse de bola seja retomada o mais próximo do ataque possível, tentando minimizar as fases de defesa posicional.
Nas primeiras partidas, a Juve sofreu com essa transição de jogo. Que o digam os três gols sofridos no clássico contra o Napoli, com espaços amplamente dados aos napolitanos, ou no outro clássico contra a Fiorentina, quando apesar do 0–0, a Viola atacou muito no campo juventino. Ou mesmo no 2–2 contra o Atlético na Champions.
Partida esta da Champions, que paradoxalmente, mostrou as qualidades de Bonucci no sistema de Sarri e como esse sistema as evidencia. No lance abaixo, a marcação por zona pura aplicada por Sarri prevê que o lateral-esquerdo zagueiro quebra a linha sob pressão no cruzador e que os três zagueiros restantes protegem o resto em linha, ocupando a área do primeiro poste, do centro do gol e do segundo poste.
Não há marcação homem a homem dos adversários, mas a referência é a posição da bola e a do gol: nesse sistema, atenção e concentração são fundamentais para encontrar a posição e o tempo corretos para conseguir a bola dentro da área de defesa.
Nesse aspecto, um dos problemas de Bonucci, que eram com relação a alguns sistemas de marcação em cruzamentos, acabaram desaparecendo, e sua precisão nas rebatidas, ou mesmo em matar no peito esses cruzamentos e sair jogando acabaram sendo enfatizados pelo sistema.
Essas antecipações nos cruzamentos e até mesmo nos passes, geraram um outro lance importante no jogo contra o Atlético em Madrid: o gol de Cuadrado. Repare na imagem mais abaixo. Quando Trippier avança e procura Diego Costa, Bonucci com a cobertura, se permite a sair e antecipar, e aí acionar Higuaín, pra mais tarde em velocidade, acionar o colombiano pra marcar.
Algumas coisas não mudaram com Sarri na Juve, como a busca da compactação e de um menor espaço possível para o ataque adversário. Outras coisas, por sua vez, mudaram muito, como o posicionamento defensivo, com o posicionamento do adversário tendo uma prioridade menor que a da bola na hora de fechar linhas, além de prioridade menor que a leitura feita corretamente desses posicionamentos.
O posicionamento do defensor foi descrito muito bem pelo ótimo Fabio Barcellona, em L’Ultimo Uomo, neste texto:
A linha é quebrada apenas para pressionar o possível receptor entre as linhas, a fim de “cobrir” a bola, enquanto apontada, ela tende a escapar do compacto, abraçando-se para proteger sua própria porta. Se bem apoiada pela pressão, a linha defensiva permanece alta, com tanta profundidade por trás, para manter a equipe curta.
Trata-se de uma defesa bastante cerebral, que administra os espaços em vez de disputar individualmente a bola com os adversários, minimizando os duelos individuais que favorecem uma reconquista coletiva e deixando leituras individuais ocasionais das digressões das rígidas regras de comportamento, como, por exemplo, uma redução inesperada em um oponente antecipando uma aposta com antecedência.
Dentro de um sistema de defesa construído dessa maneira, os jogadores se destacam capazes de interpretar adequadamente as várias situações do jogo para adotar o comportamento correto de acordo com as regras defensivas fornecidas e a limpeza técnica e tática da execução é fundamental. Portanto, um contexto desse tipo recompensa as melhores qualidades de Bonucci e torna menos importantes os aspectos mais inadequados de seu jogo.
A partir desse sistema, Bonucci vem crescendo até mesmo em uma faceta de jogo que já se via mesmo nos tempos de Allegri: nas participações ao ataque, mas agora não somente em subidas em bolas paradas, mas em uma tranquilidade maior em subidas com a bola ou mesmo nos posicionamentos defensivos.
Nestes, aliás, melhorando a pressão sob a defesa, a tranquilidade se tornou maior para Bonucci. Sua leitura de jogo melhorou de forma que consegue ir bem até em situações de campo aberto, mesmo não sendo tão veloz como seu companheiro De Ligt.
Voltando ao estilo ofensivo, não havia dúvidas de que isso funcionaria bem sob o comando do não menos ofensivo Maurizio Sarri. É bem verdade que Bonucci tem tocado menos na bola na hora da construção de jogo, já que o jogo “sarrista” prefere que os meias, no caso juventino, especialmente Pjanic, volte pra começar a construção de jogo.
Separando outro trecho do texto de Fabio Barcellona para o L’Ultimo Uomo, destaco o trecho que cita sobre a importância das estratégias defensivas dos times de Sarri na marcação por zona:
É interessante notar que a estratégia defensiva de Sarri, de alguma forma, contraria a tendência com a maioria das escolhas dos melhores treinadores das principais equipes europeias: se a vontade de pressionar e defender agressivamente os máximos é uma característica encontrada em quase todos os técnicos de alto nível, a escolha de adotar uma área pura, em vez de favorecer uma abordagem baseada em uma atenção maior à “marcação do homem na área” e aos duelos individuais, traçam uma abordagem que é realmente muito mais difundida no passado, especialmente no período de transição entre o domínio da marcação do homem e o da defesa da zona.
Em meio a esses aspectos, parece que Bonucci entendeu bem o estilo de Sarri, seja no aspecto defensivo, onde o sistema ajudou a esconder alguns de seus defeitos de jogo, ou na fase ofensiva, onde apesar de tocar menos na bola, ajuda a fazê-la circular de maneira eficaz e eficiente.
Mas, afinal, se Bonucci está bem, por que De Ligt começou tão mal e só agora parece se recuperar? Era a pergunta de um milhão de dólares nos momentos mais difíceis do holandês com a camisa bianconera. A ideia de Sarri era claramente começar com Chiellini e Bonucci, mas a lesão no joelho do capitão juventino estragou todos os planos.
Nos primeiros jogos, assim como Bonucci, o holandês teve seus problemas com a questão dos espaços. Errava diversas vezes a leitura dos posicionamentos, como por exemplo, no gol de Lozano no clássico contra o Napoli.
Além disso, desde a infância, De Ligt tem tido alguns problemas de peso, causando falta de ritmo. Isso veio à tona também no lance do gol de Lozano, em que ele perdeu na corrida para o mexicano. E nesse caso, a velocidade do jogo da Serie A pesou contra nos primeiros jogos. Por muitas vezes é pego fora do tempo de bola, por baixo e pelo alto (o que ocasiona tantas mãos na bola).
E claro, a marcação por zona da Juventus também é muito diferente da defesa que é homem-a-homem do Ajax. O holandês até comentou sobre isso, observando que “Na Holanda, há muita construção por trás e defesas no alto do campo. Na Itália é mais sobre marcação por zona e defesa junta [compacta].”
E isso que poderia ser pior, em vista que Allegri também usava marcação por zona. A grande diferença, é que Sarri usa marcação por zona com linhas bem mais altas que a do pentacampeão italiano e vice-campeão europeu com a Juventus.
De Ligt, é verdade, cresceu nas últimas partidas. Parece melhor adaptado ao jogo italiano e com a ajuda de Barzagli, importante campeão, ídolo e membro da comissão técnica juventina, que lhe serve como uma espécie de tutor a seu jogo. Não a toa os movimentos em campo andam melhorando.
De Ligt agora está mais acostumado ao estilo de jogo de Sarri: ofensivo e com uma linha defensiva muito alta que se aproxima do meio-campo quando a equipe avança no campo. Vem ganhando confiança e crescendo ao longo dos jogos.
Que o diga sua atuação contra o Atlético pela Champions. De Ligt não foi pego fora de posição e salvou Szczesny com duas intervenções vitais. Ele é o novo gladiador da defesa e, contra a equipe de Simeone, conseguiu eliminar todos os perigos que surgiram no seu caminho, e fez sua melhor partida como bianconero.
Nisso, entra um mérito do zagueiro, como cita esse post de Daniele Morrone, do L’Ultimo Uomo:
Mas, como mencionado, a verdadeira força de De Ligt está precisamente na consciência de seus próprios méritos e defeitos, como base para melhorias. Quando perguntado sobre quais atributos de seu jogo devem melhorar, ele respondeu: “As leituras do jogo são boas, mas você sempre pode melhorar com a experiência em grandes jogos e em diferentes situações de jogo”. Precisamente nisso, sua mudança para a Juventus promete muito bem ao seu desenvolvimento, próximo a um zagueiro experiente como Chiellini, que por sua vez tinha um estilo de jogo agressivo no início de sua carreira.
Neste aspecto, De Ligt é tão forte mentalmente quanto Bonucci, apesar de não ter problemas com cartões como o italiano, autoconfiante e que não esmorece com falhas. Tão forte quanto a muralha defensiva juventina, que apesar de uma nova adaptação, com um novo sistema de jogo, é a melhor defesa da Serie A, com apenas 12 gols sofridos.
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