Conheça as ideias táticas de Ivo Vieira, novo técnico do Cuiabá
Uma análise completa sobre as características dos times de Ivo Vieira, novo técnico do Cuiabá após a saída de António Oliveira
Ivo Vieira é o novo técnico do Cuiabá. O português de 46 anos chega ao Dourado para substituir seu compatriota, Antônio Oliveira, com o objetivo de garantir a permanência na Série A do Campeonato Brasileiro pelo quarto ano seguida, mas também de dar um passo além e ser mais competitivo, ir mais longe na Copa do Brasil e beliscar uma vaga na Sul-Americana. Bastante enérgico, traz ideias diferentes daqueles implementadas na equipe cuiabana nos últimos anos.
Treinador desde março de 2011, ganhou bastante relevância em Portugal ao conduzir o modesto Moreirense ao sexto lugar da Liga NOS, o Campeonato Português, na temporada 18/19 e realizar a melhor campanha da história do clube. Na temporada seguinte, dirigindo o Vitória de Guimarães, Ivo Vieira chegou na sétima posição da liga nacional e teve participação boa na Europa League, apesar de não ter chegado ao mata-mata: perdeu para o Arsenal por 3 a 2 em Londres e empatou por 1 a 1 em casa.
Nos últimos dois anos, é verdade, não teve trabalhos tão bem sucedidos. Depois de rápida passagem pelo Al Wehda entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021, assumiu o Famalicão, onde teve 13 vitórias, oito empates e 12 derrotas até sair em novembro do ano passado. Já em 2022, assumiu o Gil Vicente no início da atual temporada, mas não durou muito tempo. Diante de um elenco bastante limitado, teve quatro vitórias, quatro empates e oito derrotas.
As ideias táticas de Ivo Vieira
Bastante convicto de sua metodologia, Ivo Vieira vai na contramão de muitos treinadores formados pela Escola Portuguesa. Ao invés de pensar seu modelo de jogo a partir da defesa para garantir a estabilidade do time e depois atacar, o novo técnico do Cuiabá prioriza o desenvolvimento da fase ofensiva em suas equipes. Segundo ele, um comportamento ofensivo é capaz de levar mais torcedores ao estádio, além de tornar o ofício mais prazeroso aos atletas.
Falando sobre a prática, o sistema favorito de Ivo é o 4-3-3, no qual algumas movimentações são implementadas para chegar ao gol com rapidez e grande número de atletas. Basicamente, o ataques visam colocar os jogadores de lado de campo em vantagem perto do gol para finalizar com cruzamentos para trás e lances individuais. Os meias e quem está no setor da bola devem se aproximar para realizar triangulações, enquanto o lateral do flanco oposto deve se projetar e o atacante de extremidade cair por dentro, a fim de dar opção de inversão e profundidade na região mais vazia do gramado.
Seus trabalhos mostram equipes executando ataques posicionais, nos quais existem espaços pré-determinados a serem ocupados, mas sem radicalismos. São perceptíveis as construções com a linha de quatro defensiva montada e um volante à frente, dando o suporte para os demais atletas se aproximarem do gol. A partir do meio-campo vemos mais mobilidade para aglomerações perto da bola, porém ao menos dois atletas devem circular nas costas dos volantes rivais e dois precisam estar espetados pelos flancos.
Sua veia ofensiva é presente há muito tempo e isso explica a preferência por jogar com a bola no chão desde os zagueiros. Quando treinador da base, tirava defensores do treino quando eles davam chutão: “Se eles querem se livrar da bola nesta idade, como vão ser profissionais?“, justificava. Já afirmou não querer ganhar a qualquer custo e que a vitória sem reconhecimento “vale zero”. Sobre a sua preferência por manter a posse, resumiu: “Se a bola fosse para estar no alto teria asas”.
Equilíbrio e adaptações
Apesar do discurso convicto sobre um futebol ofensivo e a valorização da posse de bola, Ivo Vieira foi ganhando capacidade de adaptação ao longo da carreira. Em seus trabalhos mais recentes, no Famalicão e principalmente no Gil Vicente, buscou marcar mais atrás e até abrir mão da linha de quatro para jogar com três zagueiros contra equipes melhores. Também gosta de uma transição ofensiva veloz, com os atacantes correndo nas costas da defesa rival. Isso será muito importante para o Cuiabá, afinal o Dourado é inferior tecnicamente a grande parte de seus concorrentes.
De qualquer forma, é importante sabermos que as adaptações não são a saída ideal para Ivo. O treinador é um fiel defensor do projeto e do processo de formação de uma equipe e acredita na repetição nos treinamentos para a implementação de uma ideia voltada ao ataque. Segundo ele, alterar a estratégia e exigir posturas mais conservadoras de suas equipes é contradizer o trabalho ao longo dos treinos na semana e tirar a confiança do elenco no modelo de jogo.
O elenco do Cuiabá
Para jogar da maneira de Ivo Vieira, o Cuiabá precisa de zagueiros e laterais rápidos para subir a última linha com a bola coberta (pressionada) e correr para trás com a bola descoberta e de meio-campistas com qualidade na primeira e segunda fase de construção, ou seja, na saída de jogo e na articulação pela faixa central, além de chegada na área. Por outro lado, o histórico recente do time cuiabano e as características do elenco sugerem outras ideias de futebol.
Na temporada 2021, o Dourado foi comandado pelo técnico Jorginho e atuou com uma linha de quatro, normalmente com bloco baixo e um contragolpe forte pelos lados com os pontas. Neste ano, após um primeiro semestre instável, Antônio Oliveira encontrou o time com três zagueiros, marcação recuada, uso frequente de viradas de jogo para os alas e cruzamentos para Deyverson. Ou seja, o modelo de jogo vencedor no clube nos últimos anos foi mais defensivo e com menos bola no chão.
Além disso, as características de zagueiros como Alan Empereur e Marllon, mais lentos e acostumados a jogar posicionados, correndo menos e rebatendo mais bolas, os poucos pontas no elenco e a presença de Deyverson, centroavante talhado para o jogo aéreo, representam desafios para Ivo Vieira. No meio-campo, Pepê poderia ser quem mais se aproxima do que o técnico deseja, mas foi vendido ao Grêmio.
Contudo, as chegadas do volante Fernando Sobral, do ponta Iury Castilho e do atacante Isidro Pitta podem acrescentar mais combatividade, velocidade e qualidade para jogar por baixo, facilitando o trabalho do português. Reforços compatíveis com o modelo aceleram o processo de construção da equipe e, portanto, saber pressionar no campo de ataque é fundamental para evitar bolas em profundidade nas costas da defesa, uma das dificuldades sentidas por Ivo Vieira, principalmente no Gil Vicente.
O elenco do Cuiabá tem condições de fazer uma boa campanha, assim como Ivo Vieira tem condições de executar um bom papel em sua primeira experiência no futebol brasileiro. Para isso, é necessário o alinhamento completo entre direção, treinador, elenco e torcida. Qual será o caminho adotado? O treinador pode se adaptar aos jogadores e ser menos ofensivo, o clube pode alterar o perfil do plantel para atender aos anseios do técnico, assim como a escolha pode ser simplesmente apostar nos treinamentos para que, a longo prazo, o modelo de jogo se estabeleça. O importante é todos estarem na mesma página para resistir ao percalços inevitáveis do processo.
Vale ressaltar que esse texto foi escrito com base na observação de jogos de Ivo Vieira no Gil Vicente, Famalicão e Vitória de Guimarães, porém também teve em sua argumentação desenvolvidas a partir de citações e explicações dadas pelo treinador em uma entrevista de mais de duas horas ao canal Quarentena da Bola.
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