Sérgio Conceição: modelar o contexto
A vitória em Marselha demonstra um FC Porto confiante e capaz de demonstrar a variabilidade de ideias do seu técnico para enfrentar o contexto que o jogo lhe oferece. Pode um modelo ser baseado nas respostas que cada jogo nos exige? Sérgio Conceição está perto dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões e acha que sim.
Nem sempre é preciso brilhar para ganhar, muito menos num grupo da Liga dos Campeões onde a competitividade entre três dos conjuntos alimentava expetativas de equilíbrio. O FC Porto de Sérgio Conceição venceu em Marselha e confirmou a grande força do técnico portista. Modelando os contextos, a equipa encontra respostas para ganhar.
Leitura da mente
O contexto do encontro montava-se através de várias peças de um puzzle que os dois treinadores tentavam controlar. Após a derrota do Marseille no Estádio do Dragão, André Villas-Boas tinha deixado no ar que a sua equipa, por um lado, estaria fora da corrida para o apuramento, por outro, reivindicando o orgulho dos seus jogadores para se apresentarem mais fortes nas derradeiras três jornadas.
Esta espécie de psicologia invertida visava retirar do campo da preparação do jogo qualquer tipo de ataque ao conjunto do FC Porto, tantas vezes mestre em transformar essa pressão a seu favor. Ao mesmo tempo, esperava-se que o OM pudesse apresentar alguma alternativa ao seu esquema habitual para o encontro decisivo no Vélodrome, algo para o qual Sérgio Conceição se havia preparado.
Entrou, ainda assim, com a mesma ideia de jogo com que tinha vencido por 3-0 há algumas semanas. No momento defensivo, duas linhas de quatro, com Marega e Luis Diaz como elementos mais adiantados, procurando pressionar alternadamente a saída de bola do conjunto francês. Os primeiros quinze minutos mostraram, desde logo, que o meio-campo reforço do Marseille lia a situação a seu favor, conquistando metros no meio-campo. Mas a segurança defensiva que os portistas asseguravam contrariava qualquer boa oportunidade para o seu rival. Sérgio Conceição ganhara o primeiro confronto, o mental.
O modelo é o jogo
Sérgio Conceição é um técnico que baseia os seus princípios no contexto que é oferecido pelo jogo. As suas ideias revestem-se em diferentes sistemas e até brilham mais quando, em momentos de maior competitividade, sugere alterações estratégicas que surpreendem o adversário. Em Marselha, essa capacidade de trabalhar diferentes variantes acabou por ser a chave para o sucesso do FC Porto.
Ainda antes do intervalo, Luis Diaz encostou-se à faixa esquerda do ataque, enquanto Otávio derivou para o meio. Com essa mudança, o FC Porto passava do 4-4-2 para o 4-2-3-1, possibilitando maior conforto posicional a Grujic, o médio que foi novidade no onze, mas sobretudo equilíbrio no corredor central para abordar a construção do Marseille. Por outro lado, com extremos mais bem definidos (no 4-4-2 havia uma tendência de construir por dentro, enquanto após a mudança a equipa acabou por se afirmar mais nas faixas), era capaz de atacar de outra forma a defensiva rival.
O golo surgiu do aproveitamento de um pontapé de canto, com Zaidu a surgir bem para uma bola perdida no centro da área. Mas a capacidade de alternar posicionamentos com o jogo a decorrer fez com que o Porto encontrasse forma de deter a superioridade territorial que o Marseille ia apresentando.
Consistência no processo educativo
Sobre os novos jogadores, na boca de Sérgio Conceição está constantemente a ideia de que têm que aprender o que é viver o FC Porto. Mais do que o entendimento do jogo, o entendimento do clube, da exigência colocada em cada ação. Em Marselha, vários jogadores vão dando sinal de como se pode crescer de forma consistente num processo educativo bem definido. Para o FC Porto e para Sérgio Conceição, importa formar peças para a equipa, não jogadores para o futebol.
Zaidu acabou como herói improvável, sendo o jogador mais rematador, autor do primeiro golo e igualando o máximo de interceções em jogos da Liga dos Campeões na edição da presente temporada. O nigeriano continua a ter um número elevado de perdas de bola (12, metade delas no seu meio-campo), mas é claramente um jogador em crescimento no plantel. Malang Sarr evidenciou-se pelas suas qualidades como defesa-central, cotando-se na verdade como uma boa alternativa para a posição, enquanto Sérgio Oliveira, o capitão da equipa, teve uma exibição onde revelou autêntica mestria em todos os momentos do jogo.
São peças em quem Sérgio Conceição confia para continuar a crescer. Jogadores como Corona e Otávio demonstram, ainda, que a diversidade de características são essenciais para se ser estrela numa equipa orientada por este treinador. E já perto do minuto 90, com o jogo na mão e a vantagem consolidada nos dois golos, Sérgio ainda gritava para que os seus homens pressionassem alto, demonstrando ao trio de suplentes que estavam em campo, Taremi, Nakajima, João Mário, que a titularidade se conquista através do exemplo que se dá nas oportunidades conquistadas.
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