Phil Jackson e o triângulo ofensivo: The Last Dance mostra que um esporte se conecta ao outro
De alguma forma, todos os esportes estão interligados, seja por questões mentais, físicas, técnicas ou estratégicas, e o documentário The Last Dance foi a prova disso
The Last Dance, produzido pela ESPN, encantou o mundo. A riqueza do conteúdo inspira. Se não for considerado obra de arte, se aproxima a uma. Em um dos episódios, porém, alguns detalhes remeteram ao futebol. De Tex Winter a Phil Jackson, passando por Pep Guardiola e Garry Kasparov, a genialidade conecta os esportes.
Na década de 40, o treinador Sam Barry, da Universidade do Sul da Califórnia, se tornou o primeiro mentor do triângulo ofensivo. Alguns anos depois, Tex Winter se especializou e expandiu, no país, o sistema que privilegia o senso coletivo dentro do basquete. Em 1989, Phil Jackson, também adepto aos triângulos, assumiu o comando do Chicago Bulls e formou dupla com Tex. Era questão de tempo para que o plano de jogo fosse proposto. No entanto, como buscar a coletividade tendo Michael Jordan, o atleta mais individual de todos, na equipe?
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Com os triângulos formado pelos jogadores em quadra, era possível movimentar a bola com velocidade, se aproximar para invadir o garrafão, assim como ter superioridade numérica no momento defensivo. Tudo isso para que todos participassem. A princípio, Michael Jordan, que sempre viu a equipe jogar para ele, não foi facilmente convencido. Até que o primeiro título fosse conquistado, em 1991. Ao todo, o Chicago Bulls de Phil Jackson venceu o campeonato em seis oportunidades.
A história, na verdade, é sobre como outros esportes podem contribuir para o desenvolvimento do futebol — bem como o contrário. Triângulos podem ser vistos e formados tanto em quadra como em campo, e Guardiola é prova disso.
Responsável por revolucionar o futebol na última década, Pep escreveu seu nome na história através do jogo posicional. O modelo se baseia, entre outras coisas, em formar triângulos. A ideia é que, com eles, um terceiro homem surja livremente e prossiga com a jogada. Até onde se sabe, ao menos publicamente, as ideias de Phil Jackson em nada têm a ver com as do treinador espanhol. A jogada dos triângulos ofensivos é apenas o ponto de partida para mostrar como Guardiola é, de fato, um ladrão de ideias, como se autodenomina.
Basquete
Enquanto no Bayern, Pep chegou a procurar o técnico de basquete da equipe alemã: “Tenho que falar com [Svetislav] Pešić para que me explique, em detalhes, por que não é possível montar uma defesa de quatro contra cinco deixando um atleta na frente. É um assunto que me interessa”, revelou.
Polo aquático
Nenhum outro esporte é tão presente na vida de Guardiola como o polo aquático. Manuel Estiarte, um dos maiores jogadores da história da Espanha, é, além de grande amigo, colega de trabalho. Estiarte esteve ao seu lado no Barcelona, Bayern e, agora, no Manchester City.
No polo aquático, quando uma equipe está atacando, costuma, normalmente, se apresentar em 3-3. Em campo, o sistema base do jogo posicional do técnico catalão é, intencionalmente ou não, o 4-3-3. Mas a proximidade com Estiarte vai além do que se vê nos gramados. Extremamente vencedor, o que sabe, mesmo, é sobre gestão de grupo. Nunca jogou futebol, tampouco debate sobre táticas, mas é o responsável por, diariamente, auxiliar e proteger a equipe. Tudo passa por ele. Há quem diga que não existe Guardiola sem Estiarte.
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Em um dos livros sobre Pep, Estiarte fala sobre o aspecto mental: “Minha tese é que equipes grandes se acostumaram tanto a ganhar que não concebem estar perdendo. Em qualquer esporte coletivo. Como não estão acostumados a perder, não têm, em seus planos, o conceito da derrota”.
Rugby
Em 2014, Eddie Jones, então comandante do Japão, viajou até Munique para conversar com Guardiola. O intuito era declarar respeito e pedir conselhos táticos, pois os dois esportes “são muito parecidos quando se trata de mover a bola”, declarou.
De fato, o time de rugby do Japão, sob o comando de Eddie, hoje na Inglaterra, lembrava o Barcelona e o Bayern do treinador de futebol. O privilégio à posse e a velocidade da pressão da linha defensiva eram algumas das características marcantes.
Xadrez
Em seu ano sabático, Guardiola potencializou o interesse por xadrez. Em Nova York, jantares constantes com Garry Kasparov, que foi, para muitos, o maior da história. Conversas frequentes sobre diversos temas que não fossem futebol. Mesmo assim, mais tarde, tudo interferiu no trabalho.
Numa noite, Kasparov falou sobre não conseguir vencer Magnus Carlsen. Curioso, Guardiola tentava questionar e entender o motivo. “Se fosse uma partida e durasse duas horas, Garry poderia vencer, mas se prolongaria por cinco ou seis. Carlsen é jovem e não tem consciência do desgaste que isso causaria”, disse a esposa do técnico. Naquele dia, Pep pensou muito e dormiu pouco.
Assim como o xadrez, o futebol necessita paciência. Principalmente para as equipes e treinadores que buscam ter a posse de bola por 70% do tempo, somar mais de 800 passes por partida e furar blocos defensivos. Assim como Kasparov, o jogador de futebol tem de ser resiliente.
Vôlei
Julio Velasco, técnico de voleibol que treinou a Argentina na Rio 2016, também tem um peso sobre a carreira do catalão. Não por questões táticas ou do próprio campo, mas por valorizar e colocar seus atletas acima de qualquer coisa. Guardiola, portanto, pensa da mesma forma.
“O prazer do treinador tem de ser o prazer de um artesão, não o de um industrial. O treinador tem de ser feliz com o progresso de seu esportista, não com o resultado que ele conseguir. Feliz pelo processo, não pela vitória”, explica Velasco.
Dentro de campo, nos bastidores ou na cultura do próprio técnico, outros esportes podem contribuir ao futebol. Não precisa ser, diga-se, explicitamente. Guardiola, pela quantidade de referências, é um dos tantos exemplos. Quanto mais rápido entenderem, mais frutos colherão.
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1 comentário
Existe um treinador brasileiro de Futsal chamado Ferreti que ja trabalhava a questão dos triângulos nos anos 80… e ainda outro treinador brasileiro de futsal chamado ZEGO, que inventou e implantou o sistema 4-0… na Espanha.
O futebol se conecta a todos os esportes, pois é feito de pessoas. O futebol se conecta à vida pelo mesmo motivo. Para quem olha o futebol de maneira sistêmica, claro.
Belo texto.