TRÊS ATRÁS
Por @viniciusof As derrotas para Liverpool e Arsenal em meados de setembro de 2016 puseram pressão sobre o trabalho de Antônio Conte no Chelsea. O 3 a 0 no Emirates fora a maior derrota dos Blues para Wenger na era Abramovic. A resposta de Conte veio sete dias depois, quando o Chelsea enfrentou o Hull City […]
Por @viniciusof
As derrotas para Liverpool e Arsenal em meados de setembro de 2016 puseram pressão sobre o trabalho de Antônio Conte no Chelsea. O 3 a 0 no Emirates fora a maior derrota dos Blues para Wenger na era Abramovic. A resposta de Conte veio sete dias depois, quando o Chelsea enfrentou o Hull City no KC Stadium. O italiano lançou mão dos 4-3-3 e fixou aquela que seria sua zaga até o final do campeonato: Azpilicueta, David Luiz e Cahill. Todos cresceram de produção, o time embalou uma sequência de 13 vitórias, com quatro gols sofridos e 32 marcados no período. A partir do sucesso de Conte o sistema com três centrais se proliferou na Premier League. Segundo registros do site Football-Lineups, somente Liverpool, Burnley e West Bromwich não utilizaram o sistema nenhuma vez durante toda temporada passada na Premier League. E, até a sexta rodada, que marca a alteração tática de Conte, apenas os também italianos Francesco Guidolin, do Swansea, e Walter Mazzarri, do Watford, haviam escalado seu time com uma linha de três zagueiros.
Na atual temporada inglesa a tendência se confirma: até a segunda rodada da liga, Swansea, Everton, Manchester City, Arsenal e Chelsea haviam optado ao menos uma vez pelo 5-4-1/5-3-2.
Abaixo vamos mostrar que a semelhança entre os formatos se restringe à numeração. Cada treinador incorporou o esquema ao seu modelo de jogo e o que temos visto são zagueiros, alas e volantes com incumbências – ofensivas e defensivas – cada vez maiores. A formação tática é apenas uma organização inicial, um ponto de partida, mas hoje explica muito pouco as interações coletivas entre jogadores.
A INVERSÃO DA PIRÂMIDE
O jornalista britânico Jonathan Wilson foi profético ao anunciar a inversão da pirâmide em seu livro A Pirâmide Invertida (lançado em português pela editora Grande Área). Jonathan sustentava, no brilhante trabalho de pesquisa sobre a história da tática no futebol, que o esporte que iniciara com um defensor e cinco atacantes se transformaria tanto que chegaríamos à era dos cinco defensores e um atacante. A grosso modo é o que assistimos recorrentemente sobretudo nas ligas inglesa e italiana.
Um dos primeiros treinadores a reproduzir os três zagueiros pós-Conte foi Mauricio Pochettino, no Tottenham. Pochettino esteve no trio de zaga argentino de Bielsa na Copa do Mundo de 2002, conhece bem principalmente os movimentos de saída de jogo e conseguiu incorporar o esquema ao seu modelo propositivo, de apoio constante ao portador da bola. Este ano, contudo, Pochettino apresentou uma das versões mais “mutantes” do seu Tottenham.
Na partida contra o Chelsea, pela segunda rodada da Premier League, a transmissão de TV anunciou o 3-6-1 com dois volantes e dois meias, tal qual utilizado na temporada anterior. Com o passar dos minutos foi possível identificar que, na prática, Erik Dier, hipoteticamente defensor, nunca se comportara como zagueiro. O flagrante aéreo abaixo, provavelmente registrado das cabines de Wembley, sintetiza o posicionamento dos Spurs na fase ofensiva. Alas dando amplitude (em amarelo), posicionados como pontas, os volantes (em vermelho) na base da jogada e os meias (em preto) posicionados por dentro, atrás do centroavante. Repare quantos jogadores atrás da linha da bola. O balanço defensivo¹ numeroso é uma característica do Tottenham de Pochettino.
E note que, como teve a bola durante a maior parte do tempo, o flagrante acima representou bem o posicionamento médio dos jogadores, ilustrados por este passmap produzido pelo @11tegen11.
A mutação do Tottenham começa a aparecer no “abafa” das transições ofensivas adversárias. Ou seja: na maneira como o time estrangula o contra-ataque do oponente. No flagrante abaixo o Chelsea escapa pela direita, o lateral-esquerdo Davies (em vermelho) aborda o portador da bola, enquanto o lateral-direito Trippier, com a camisa 2, no canto da imagem, alinha-se aos zagueiros Alderweireld e Vertonghen. Não é um movimento típico de uma linha de quatro defensiva, que “balança” junta para o setor da bola. Neste caso o lateral comporta-se como um zagueiro de fato.
E no lado oposto vale o mesmo. No flagrante abaixo Trippier acabara de pressionar (sem sucesso, como se percebe pela trajetória da bola) um adversário: é hora de Davies ser zagueiro da “sobra”.
Mas se a pressão à transição adversária não funciona, se o oponente escapa do primeiro combate e trabalha a bola no campo ofensivo, o time se reorganiza numa linha de 4 (abaixo), com três volantes, dois meias e um atacante. Por isso o 4-3-2-1 foi o sistema escolhido pela maioria da imprensa inglesa para definir em números o mutante Tottenham de Pochettino. Temos aqui um caso clássico de como a formação tática representa cada vez menos a complexidade de um modelo de jogo. Ao avaliar o número de jogadores em cada setor, podemos constatar que, numa mesma partida, os Spurs se posicionaram num 3-6-1, 2-3-4-1, 4-3-2-1 ou mais variáveis levadas pela dinâmica do jogo.
CONTE ORTODOXO
Contra o Tottenham, Conte não contou com os titulares Hazard e Fábregas, então optou por abrir mão do habitual quarteto de meias. Ciente de que a força ofensiva adversária vinha do centro, com Alli, Eriksen e Kane, Conte escalou um trio de volantes à frente da defesa: David Luiz, Bakoyko e Kanté. Jogadores extremamente combativos, que reúnem força e resistência, ótimas características para se fazer uma pressão agressiva no portador da bola.
No vídeo abaixo é perceptível uma característica marcante do Chelsea de Conte: o sucesso em tornar improdutiva e passiva a posse do adversário. Marcando em bloco médio² durante quase toda partida, os Blues exercem muita pressão no portador da bola, como é possível notar no vídeo abaixo.
Inúmeras análises sobre o Chelsea de Conte já foram feitas, de modo que avançar na pauta poderia soar repetitivo. Recomendo sobretudo esta.
OS PROBLEMAS DE WENGER
No final da última temporada Arsene Wenger encontrou bons resultados e quase conseguiu classificação à UEFA Champions League quando passou a utilizar três zagueiros. Naturalmente apostou no formato para iniciar a temporada. Provavelmente pensando em qualificar a saída de bola, o francês optou por utilizar dois laterais de origem como zagueiros: Nacho Monreal e Sead Kolasinac. Porém, a despeito da escolha, os centrais do Arsenal participam pouco da construção do jogo (e logo você verá a importância deles para a consolidação de uma equipe propositiva). Ao ficarem alijados do momento ofensivo, também estão completamente desconectados do time. Note no frame abaixo que sequer estão posicionados nas proximidades da grande área para estancar um contra-ataque do adversário. Perceba a distância para o meio-campo. Na partida do Chelsea contra o Tottenham, a principal oportunidade de gol com bola rolando saiu de um cruzamento do zagueiro Azpilicueta para Álvaro Morata. Os zagueiros costumam ter muito espaço para jogar neste sistema e, quando são bons com a bola e são integrados à fase ofensiva, se tornam armas ofensivas interessantes.
O Arsenal se projeta com muitos jogadores, de modo que ficam poucos jogadores atrás da linha da bola para fazer o balanço defensivo. Essa é uma diferença crucial para o modelo do Chelsea e até mesmo do Tottenham, que utilizam mais jogadores para estancar o contra-ataque adversário. Isso explica, dentre outras coisas, por que o Arsenal tem a segunda pior defesa da Premier League, atrás apenas do lanterna West Ham. Não são raros os momentos em que Xhaka (em amarelo), o volante incumbido de iniciar as jogadas, tem muitos jogadores à sua frente – dos quais poucos próximos – e apenas o trio de defensores (bem distantes) atrás. No flagrante abaixo o ataque perde a bola e o suíço fica isolado para brecar o adversário.
KOEMAN APOSTA EM MARCADORES RESISTENTES
Outro técnico que recorre ao 3-4-3/5-4-1 desde o ano passado é Ronald Koeman, que encontrou no sistema uma forma de explorar a ofensividade de seus laterais e escalar os bons zagueiros que tem à disposição no elenco. Contra o City de Guardiola encontrou nas perseguições individuais longas e intensas uma saída para enredar os talentosos meio-campistas e atacantes dos Citizens. No frame abaixo é possível identificar o volante Gueye (em amarelo) colado em De Bruyne, na região da linha defensiva, enquanto o zagueiro Michael Keane (em azul) se desloca para acompanhar Gabriel Jesus, na área dos volantes. Reflexos da estratégia defensiva do Everton, que incumbiu seus dois volantes de perseguirem os meias adversários.
Muito já se falou sobre os riscos das perseguições individuais longas, tão frequentes no Brasil. Por aqui, boa parte dos gols ocorrem em erros de trocas defensivas; ou seja: quando o marcador está perseguindo o adversário e ele sai do seu setor, passando então a ser incumbência do seu companheiro marca-lo. A troca é lenta, tardia e o adversário recebe a bola livre. Sintomas dos problemas na execução do encaixe por setor. Não há jeito certo ou errado de se marcar. Contra o City, Koeman utilizou esta estratégia e por pouco não venceu um dos melhores elencos da Premier Legue. Contra o Tottenham o treinador optou pelo mesmo modelo defensivo e saiu derrotado por 3 a 0 em casa. O problema quase nunca está nas escolhas em si, pois o futebol é extremamente democrático, mas na execução das mesmas.
CITY DOS ALAS
Para muitos o desempenho do City na última temporada foi aquém das possibilidades do time e do próprio Guardiola, sempre pressionado a introduzir algo novo e, sobretudo, a fazer seus times jogarem bem (considerando toda subjetividade existente em ‘jogar bem’). Pep foi às compras e trouxe laterais que, para surpresa de muitos, não eram “associativos” como muitos que marcaram sua passagem por Barcelona e Bayern. Kyle Walker, Benjamin Mendy e Danilo são jogadores “físicos”, de corredor. Um tanto surpreendente se considerarmos que, há quatro temporadas, Guardiola encontrou como solução para os problemas de saída de bola no Bayern o uso dos laterais por dentro, como volantes. (Isso é explicado em Guardiola Confidencial e citado no post do Gabriel Corrêa aqui no blog).
No City de 2017/18 os laterais são de fato laterais, peças chave para dar amplitude ao time e alastrar o vão existente entre um jogador e outro nas linhas de marcação adversárias. O passmap da partida contra o Everton mostra bem. O time concentrado na faixa central e os alas Walker e Mendy colados na linha de fundo.
Uma característica que acompanha todos os trabalhos de Guardiola é a compactação e pressão agressiva no centro do jogo (raio de 9 metros ao redor da bola). Abaixo, o Everton tenta sair jogando pela esquerda. Gabriel Jesus, David Silva, Kevin De Bruyne, Fernandinho e até mesmo alguns integrantes da linha defensiva, como Kompany, Otamendi e Walker estão lá. Todos respeitando o posicionamento inicial do 5-3-2/3-1-4-2 de Guardiola, porém posicionados em função da zona da bola.
Com Gueye e Schneiderlin no encalço, os apoiadores/meias David Silva e De Bruyne lateralizaram seu posicionamento, para arrastrar consigo os marcadores e abrir uma região crucial do jogo. Jesus ocupou o setor com sucesso, se movimentando e acionando Aguero em velocidade. Com Guardiola o brasileiro agrega cada vez mais repertório técnico em seu jogo.
Lembra da falta de apoio ofensivo dos zagueiros do Arsenal? Pois são peças importantes no modelo de Guardiola, oferecendo apoio e fazendo volume ofensivo para arrastar ainda mais o adversário para sua área. Os defensores neste caso são apoios de segurança, de sustentação. O lance abaixo termina com uma boa finalização de longa distância de Otamendi, espalmada nos pés de Aguero. Por pouco não sai o gol.
SWANSEA À CONTE
Outra equipe que tem utilizado recorrentemente três zagueiros é o Swansea, do técnico Paul Clement. E, diferentemente de todas as equipes que adotaram o modelo, os galeses se defendem em duas linhas de 4. Um modelo semelhante ao que Antonio Conte adotou na Juventus por duas temporadas. A troca do 5-3-2 para o 4-4-2 na fase defensiva pode ser facilmente entendida por este breve vídeo abaixo.
Aqui o flagrante das linhas de 4 de Clement em ação sem a bola, na vitória por 2 a 0 sobre o Crystal Palace em Londres pela terceira rodada da Premier League.
Além dos citados, já jogaram com três zagueiros nesta edição da Premier League o Stoke City, West Ham, Bournemouth e Crystal Palace. Um sistema que apareceu como grande novidade na Copa do Mundo de 2014, quando Argentina, México, Costa Rica e Holanda obtiveram sucesso defendendo com uma linha de 5 jogadores. O modelo ganhou corpo, foi reproduzido em Inglaterra e Alemanha e seguiu seu desenvolvimento na Itália, onde há alguns anos vem sendo usado por boa parte dos times da primeira divisão.
¹ Trata-se do número de jogadores atrás da linha da bola na fase ofensiva;
² É quando a equipe se posiciona entre as intermediárias;
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