Através do bom futebol, Santos de Jorge Sampaoli salvou a vida de torcedor com depressão
Ao Footure, Kaique Santos conta como equipe comandada pelo técnico argentino o motivou em um dos piores anos de sua vida
Cada pessoa sente o futebol à sua maneira. Negar o papel de um esporte social e culturalmente crucial, no entanto, é dar de ombros às vidas conectadas por um único motivo. Quem garante é Kaique Santos, de 27 anos. Santista no sentido mais puro, tirou, do amor ao time, forças para continuar de pé mesmo quando a vida lhe dava motivos para o contrário.
Kike, assim conhecido e chamado por amigos próximos, começou a se interessar por futebol em 2002, com a Copa do Mundo, e por causa do Real Madrid. Assistia aos jogos, gostava dos jogadores, sobretudo do argentino Santiago Solari. Contudo, ligação, de fato, apresentou no ano seguinte, quando o Santos, time de seu irmão, chegou à decisão da Libertadores contra o Boca Juniors. Os argentinos até saíram vencedores, mas o Alvinegro conquistara mais um torcedor. O amor foi constatado em Corinthians 7×1 Santos, pelo Campeonato Brasileiro de 2005. A dor foi explícita, mas, naquele 6 de novembro, no Pacaembu, a união foi vista como nunca antes.
O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, por sinal, é lugar conhecido. Ainda que Kaique fosse em partidas na Vila Belmiro, a casa do Santos, sua presença no Pacaembu, mesmo morando no Grajaú, zona sul de São Paulo, era praticamente obrigatória nos jogos em que o clube trouxesse para a capital.
Questionado sobre o melhor Santos que viu, não hesita ao falar sobre 2010. Capitaneados pelo técnico Dorival Júnior, Neymar, Robinho, Paulo Henrique Ganso e André formaram o melhor quarteto do país, vencendo a Copa do Brasil com um estilo irreverente. Ainda assim, o Santos de 2019, todavia, é que foi o mais importante de sua vida.
Ao terminar um relacionamento de 3 anos e ser demitido após uma trajetória profissional de pouco mais de 4 anos, Kaique Santos viu-se desolado. Diagnosticado com depressão meses antes, subestimando o acompanhamento psicológico, passou a se apoiar na boa fase do time do coração para superar o momento doloroso. “O Santos me motiva, mexe comigo de todas as formas. Aquele Santos foi legal de assistir, foi bonito. Eu tinha prazer. Se fosse ganhar ou perder, é consequência, faz parte do esporte, mas eu tinha prazer. O Santos de 2019 salvou a minha vida”, garante.
Enquanto passava por outros problemas particulares, como a saúde fragilizada da mãe e a dependência alcoólica do irmão, resistiu por uma única e simples razão: ver sua equipe ser campeã nacional, troféu este que não era levantado desde 2004. “Se não fosse um Flamengo totalmente fora da curva, o Santos teria sido campeão brasileiro. O (Jorge) Sampaoli, em questão de futebol, resgatou um sentimento que a gente já não tinha há muito tempo.”
Como se sabe, Jorge Sampaoli decidiu, por diversos motivos, não permanecer na Vila Belmiro, tendo sido, 3 meses depois, contratado pelo Atlético Mineiro. Quando a saída do treinador argentino foi divulgada, a reação só poderia ter sido uma. Ao menos para o santista. “Eu não vou mentir, não, eu cheguei a chorar. Eu sou um cara muito emotivo, qualquer coisa eu choro. A torcida chegou ao ponto de fazer uma bandeira para ele. Eu não me recordo um jogador, tirando o Neymar, em 2011, que tenha ganhado uma bandeira”, relembra.
Atualmente, apesar dos problemas políticos, como o impeachment do ex-presidente José Carlos Peres, e de episódios negativamente marcantes, a exemplo dos recentes casos de racismo e assédio moral, o Santos vive boa fase dentro das quatro linhas, competindo semanalmente no Brasileirão e aguardando o primeiro jogo da semifinal da Libertadores, no próximo dia 6, contra o Boca Juniors. De acordo com Kaique, porém, a sensação que teve em 2019 é incomparável: “A felicidade que estou agora não é a mesma. Eu quero que a gente seja campeão da Libertadores, mas eu ainda não acredito que vai ser. Naquele momento, sentia que a gente ia ser campeão brasileiro”.
Tratar o futebol unicamente como lazer, ainda que também o seja, ou resumi-lo a 22 jogadores correndo atrás de uma bola, é um dos principais erros. Quem também entende dessa forma é Maurício Marques, psicólogo do esporte pela Universitat Autònoma de Barcelona: “O futebol vai além do espetáculo, é um lugar onde as pessoas podem canalizar suas paixões, pode canalizar sua energia”.
Criar raízes e vínculos e sentir-se mais próximo do treinador que deixou o clube sem conquistar um título sequer, como no caso de Jorge Sampaoli, deve ser tratado com naturalidade. Para Maurício, embora a derrota marque mais, a cultura há de evoluir: “O menino pode tirar notas maravilhosas, mas, se tem uma nota ruim, se vai discutir muito mais. A gente precisa de uma reeducação social e psicológica para perceber e valorizar mais as coisas positivas, e entender que positivo não é perfeito. No final de cada campeonato, só um time ganha, e não é por isso que todos os outros são derrotados”.
Comente!