A dinastia de Lyon: o time de Jean-Michel Aulas que dá aulas de gestão
Como o clube francês se tornou potencial dentro e fora da França? Hora de falar sobre o projeto de Jean-Michel Aulas no Lyon
A Champions League Feminina tem data (não oficial) prevista para o retorno. De acordo com fontes “da mais alta entidade do futebol europeu”, como denominou o diário Marca, os jogos acontecerão na Espanha entre os dias 21 e 30 de Agosto, e a organização ficará por conta da Federação Espanhola de Futebol.
A princípio, as partidas ocorrerão em portões fechados, mas essa determinação pode mudar de acordo com os decretos locais. San Sebastian e Bilbao serão as cidades sedes, exceto pelas finais que ainda não tem local definido.
A competição foi paralisada nas quartas de final, e os jogos a serem disputados são:
- Glasgow vs Wolfsburg
- Arsenal vs PSG
- Atlético de Madrid vs Barcelona
- Lyon vs Bayern de Munique
Wolfsburg, bi-campeão da competição e atual campeão e líder da Bundesliga, deve confirmar vaga nas semi-finais. O Arsenal enfrenta o PSG e, após encerramento da liga inglesa por antecipação, o terceiro lugar na tabela só leva um caminho ao time inglês de jogar a Champions na próxima temporada: vencê-la agora. Atlético de Madrid enfrenta o atual campeão espanhol e favorito no confronto local.
O Bayern de Munique vive bom momento. Venceu o Hoffenheim na disputa pela vice liderança do campeonato alemão, melhorou seu desempenho e segue se reforçando – o time anunciou ontem a contratação da australiana Sarah Zadrazil, e apesar de contar com a excelente camisa 10, a Linda Dallmann, precisará jogar como nunca para fazer força diante do melhor time da Europa – e talvez do mundo: o Lyon. É sobre o caminho percorrido pelo clube francês para se tornar o maior time feminino de futebol na atualidade que vamos falar hoje.
O dia que Jean-Michel Aulas, presidente do Lyon, torceu as camisas encharcadas de chuva das suas jogadoras.
Conhecido por sua ativa participação nos bastidores do clube, o presidente Jean-Michel Aulas – que chegara ao clube em busca de fazer o Lyon masculino voltar a ser um time vitorioso em todo o continente -, encontrou no feminino a chance de tamanha realização.
Já era comum sua presença nos jogos femininos do time, mas foi em uma partida embaixo de chuva lá em 2008 que tudo mudou. As jogadoras saíram do primeiro tempo encharcadas, e o presidente orientou a troca de uniformes. Ao ser informado que aquelas eram as únicas peças disponíveis, ele mesmo ajudou a torcer os trajes para o segundo tempo, e já na partida seguinte, cada jogadora contava com 3 kits do uniforme. Foi a partir dali que tudo mudou na modalidade para o clube francês.
Essa história foi contada pela ex-capitã do clube, Sonia Bompastor – que hoje dirige as categorias de base do Lyon, em entrevista ao Esporte Espetacular.
Estrutura do clube é a mesma para o time masculino e feminino
Hoje, os dois times contam com a mesma estrutura. Treinam no mesmo CT e tem acesso as mesmas instalações. Sônia Bompastor contou ainda que o time feminino, tal como o masculino, conta com todos os tipos de profissionais que contribuem no bom rendimento da equipe. Médico, fisioterapeutas, treinadora de atacantes, treinadora de goleiras e treinadora para as jogadoras mais jovens – que passam mais tempo que as demais em treinamento por ter mais o que aprender. Além de ter treinos em campos de gramado, grama artificial e campo fechado para os dias de frio e neve.
Além de ser um time com uma estrutura e investimento que já atrai as melhores jogadoras do mundo, o Lyon investe também na profissionalização das jogadoras mais jovens. São mais de 130 meninas de 7 a 17 anos treinando nas categorias de base do clube francês. Aos 13 anos, algumas jogadoras treinam com meninos da mesma categoria para melhorar o jogo das atletas.
Depoimentos de atletas e ex atletas sobre o clube
“A primeira vez que joguei contra eles, lembro-me de pensar que esse era o próximo nível”, disse Lucy Bronze, defensora inglesa que ingressou no Lyon em 2017, ao NY Times.“O grande estádio, a enorme multidão, as jogadoras estrelas. Mal tocamos na bola“.
Algumas semanas após essa partida, Lucy Bronze recebeu proposta do clube francês e aceitou, alegando que não se pode dizer não ao Lyon. A jogadora inglesa se disse impressionada com a cultura igualitária dentro do clube. Ela conta como foi recebida no vestiário pelas jogadoras que ela definiu como pessoas que ela conhecia apenas por sobrenome:
“Todos vieram se apresentar”, disse ela. “Eles são o grupo mais humilde de pessoas que eu já conheci.”
A estrutura oferecida ao time feminino faz como que o Lyon seja um sonho entre as jogadoras de futebol não apenas pelo salário acima da média que o clube oferece, mas também por saberem que treinar em suas instalações com os profissionais que o clube conta, além das jogadoras do mais alto nível, significa diretamente um salto no desenvolvimento individual das atletas. Essa foi a principal razão para que Alex Morgan, um dos grandes nomes da seleção dos Estados Unidos – a mais vitoriosa do mundo, se mudasse para a França em um empréstimo de 6 meses.
“Alex foi para a França para crescer como jogadora de futebol e se desafiar todos os dias”, disse Dan Levy, agente de Morgan, ao NY Times. “Ela fez isso jogando com muitas das melhores jogadoras do mundo todos os dias. Ganhar campeonatos foi maravilhoso, as instalações de treinamento eram de primeira classe, mas o segredo de seu sucesso é que – acumulando tantas jogadoras incríveis – eles criaram o ambiente de treinamento perfeito. ”
Rosana, jogadora veterana campeã dos jogos pan-americanos com a Seleção Brasileira e que hoje defende o Palmeiras, jogou no Lyon em 2012 e também enalteceu o time para o Esporte Espetacular:
“O Lyon é o melhor time do mundo há anos. Foi tudo projetado para que o futebol feminino estivesse galgando títulos todos os anos, como vem acontecendo. Eu tenho certeza de que esse foi o melhor time em que eu já joguei na minha vida”, disse a brasileira.
A jogadora do Palmeiras também já esteve na liga norte-americana, e apesar de considerar o campeonato dos Estados Unidos mais disputado que o francês, em termos de estrutura, a equipe francesa foi a melhor onde ela já jogou.
“Nosso presidente é um visionário, Michel Aulas é louco. Ele quer sempre evoluir. Todos os clubes deveriam, não digo copiar, porque cada clube tem uma identidade, mas deveriam ter a mesma estrutura para os homens e para as mulheres. Isso é importante. Para ele, não há diferença entre os times masculino e feminino, nós vestimos a mesma camisa, temos as mesmas cores“, declarou Wendie Renard, atual capitã da equipe.
O respeito e carinho que o time tem com as jogadoras
Uma postagem em Maio de 2019 chamou atenção nas redes sociais, quando o Lyon chegou em Budapeste para realizar uma partida válida pela Champions League. As jogadoras foram levadas ao aeroporto direto para a pista onde um jatinho fretado as esperava. Um segundo avião levava as famílias das jogadoras e parceiros do clube para assistirem a partida. Ao chegarem em Budapeste, o ônibus da equipe que havia viajado por terra na semana anterior, as aguardava no aeroporto. Ação comum na modalidade masculina, mas com certeza um tratamento de destaque para um time feminino.
A única diferença entre os times masculino e feminino do Lyon são os salários. Apesar de ser o time que melhor paga suas jogadoras no mundo, a diferença entre a folha salarial do time feminino e do masculino do Lyon é enorme. Um levantamento feito pelo jornal “L’Équipe”, mostra que os três principais jogadores do time masculino juntos ganham por ano quase 65 milhões de reais, enquanto Ada Hegerberg, Amadine Henry e Wendie Renanrd – as três mais bem pagas da equipe feminina – ganham juntas o que equivale a 5 milhões de reais por ano.
Apesar de ser um valor altíssimo no cenário da modalidade, o salário das principais jogadoras do Lyon feminino é 13x mais baixo que do Lyon masculino. O presidente Aulas responsabiliza o mercado por essa discrepância salarial, mas acredita que é preciso corrigir essa diferença de mercado. Por parte do clube, o investimento é igualitário, não apenas de infraestrutura, mas sempre que se investe no masculino, também se investe no feminino.
É um mercado em crescimento, mas ainda muito longe do que representa o masculino. A verdade é que só vamos saber até onde a modalidade pode chegar quando todos os clubes proporcionarem a suas equipes o que o Lyon proporciona, no mínimo. Só assim atingiremos os mais altos níveis técnicos, táticos e competitivos entre os clubes de um mesmo país e continente, gerando visibilidade necessária para ser um mercado muito mais atraente do que hoje já é.
Os resultados do grande trabalho
Como o presidente Aulas gosta de falar, o Lyon, em termos de resultados quando o assunto é conquistar títulos, é a equipe esportiva mais vencedora do mundo atualmente. Não é qualquer time que pode dizer que nas ultimas quatro temporadas ganhou o titulo nacional e o continental. Aliás, só o Lyon feminino pode se “gabar” de tal feito.
Em território nacional, porém, o time não ganhou apenas as últimas 4 edições, mas as ultimas 14. A soberania nacional também prevalece fora da França, o Lyon esteve em 8 finais das 10 últimas edições de Champions League, vencendo em 6 oportunidades.
Não demorou tanto pro Lyon colher frutos no continente. A partida que virou a chave para o time feminino foi em 2008, e na temporada 2010/11 a equipe francesa conquistou sua primeira Champions League, vencendo o campeão da temporada anterior, o Potsdam da Alemanha. Foi o duelo repetido da temporada anterior, onde as alemãs foram campeãs em cima das francesas do Lyon.
Na temporada seguinte, o Lyon defendeu seu título, consagrando-se bi-campeão europeu ao bater o maior vencedor da competição até então, o alemão Frankfurt. Apos a dobradinha, o Lyon ficou duas temporadas sem vencer a Champions League, e a partir dali construiu sua dinastia vencendo as quatro edições seguidas, sendo o favorito a vencer na temporada atual.
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