Thiago Duarte desenvolve metodologia para maximizar formação de atletas no Santa Cruz
Em entrevista exclusiva, Thiago Duarte, o Coordenador Técnico Coral, falou sobre o currículo de formação, os objetivos pretendidos, os benefícios ao adotar esse referencial metodológico e de que forma acontecerá a implantação
A biografia centenária do Santa Cruz é repleta de conquistas emblemáticas que se confundem com o protagonismo de jogadores formados no próprio clube. Foi assim no Pentacampeonato (1969, 1970, 1971, 1972 e 1973) com Givanildo e Ramón e, depois, no Tri-Super Campeonato de 1983 com Luiz Neto e Zé do Carmo. No início do século XXI, o título Pernambucano e o acesso à série B (2005) tiveram Carlinhos Bala como personagem principal. Já na década passada, o Tricampeonato Estadual (2011, 2012, 2013) contou com a determinação de Everton Sena e Renatinho. Todos esses atletas têm algo em comum: chegaram muito jovem e aprenderam a viver, sentir, treinar e jogar pelo Santa Cruz.
Na tentativa de resgatar o DNA formador e tornar a formação um processo continuo, Thiago Duarte, elaborou um documento orientador (currículo de formação) que define metodologia de treinamento, características de atletas, plataformas de jogo e comportamentos técnico-táticos para que haja um padrão coletivo capaz de servir de alicerce para o surgimento e consequentemente aproveitamento do talento.
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“O Santa Cruz tem um grande percentual de evasão de atleta. Ou seja, muitos atletas passam pelo clube e poucos são aproveitados. O que a gente pretende é maximizar o desempenho de cada um para que resulte em uma menor evasão e maior aproveitamento. E para isso, é necessário que se treine e jogue da mesma forma”, afirmou o Coordenador Técnico.
Outro ponto fundamental do currículo de formação do Santa Cruz, é o fortalecimento da estrutura de observação e captação de crianças de pouca idade para criar laços, gerar identificação e maximizar a utilização dos atletas na equipe principal.
“No processo de formação o custo é o mínimo possível. Pois captamos os atletas muito jovem e identificamos potenciais esportivos, personalidade e de comportamentos correspondentes com a filosofia e cultura do clube. E dessa forma, conseguimos desenvolver, capacitar e aumentar o processo de competitividade até chegar ao profissional”, concluiu Thiago Duarte.
Confira outros trechos da entrevista abaixo:
O que é o currículo de formação?
Ele é um instrumento do processo de formação. Estamos tentando modelar a formação nas categorias de base do Santa Cruz até que chegue ao profissional em um final de cadeia, no qual se tenha um alinhamento com o processo de treino e de jogo. Porque a intensão é padronizar os treinos e jogos para que se tenha um maior aproveitamento do atleta na equipe profissional.
Qual o objetivo do currículo de formação?
Uma das grandes dificuldades do atleta na fase final de formação é que ao sair do Sub-20 ou Sub-23 para a equipe profissional, leva-se algum tempo para que haja uma adaptação ao processo de treino. Então um dos objetivos é fazer com que o jogador se adapte o mais rápido possível a nova categoria e que o clube consiga aproveitar o produto técnico e o comportamento tático dentro de campo.
Esperamos ter em torno de 50% de atletas no elenco profissional, oriundos das categorias de base, ao chegar na Série A do brasileiro. Mas não basta ter apenas o número, precisa ter um nível de competitividade alta para que possa representar de forma efetiva e com rendimento dentro de campo.
Como surgiu a necessidade de criar um currículo de formação?
A necessidade vem basicamente da formação e considerar o atleta das categorias de base um ativo do clube. É preciso entender que o Santa Cruz enquanto empresa, têm dois principais ativos: o jogo do profissional (suas conquistas). E o atleta oriundo das categorias de base. O qual conseguimos vender e ter uma lucratividade.
O Santa Cruz tem um grande percentual de evasão do atleta. Ou seja, a gente tem um pequeno percentual de aproveitamento do jogador. Muitos atletas passam pelo clube e poucos são aproveitados. O que a gente pretende é maximizar o desempenho de cada um para que resulte em uma menor evasão e maior aproveitamento. E para isso, é necessário que se treine e jogue da mesma forma. Mas respeitando as categorias e as fases sensíveis do desenvolvimento do crescimento do atleta como indivíduo. No entanto, é preciso que tenhamos alguns princípios e ideias comuns para que saibamos o que fazer em cada faixa etária e determinados momentos do jogo.
Como foi o processo de construção do currículo de formação? Quais foram as etapas preestabelecidas?
O futebol é uma ciência, tendo em vista o desempenho e o condicionamento físico. E por isso, têm alguns princípios metodológicos que são necessários para o alto rendimento independente da cultura e da filosofia. Nós montamos esse currículo de formação levando em consideração algumas necessidades competitivas do mercado atual. Dessa forma, estabelecemos critérios bem definidos dos 4 momentos do jogo (ataque, defesa, transição defensiva e ofensiva), comportamentos padrões para que possamos ter um alinhamento do processo comportamental e, que por fim, todos possam falar a mesma língua.
Quais são as considerações que o currículo desenvolvido sugere que o Santa Cruz aplique?
O currículo de formação estípula que cada categoria possui um percentual de trabalho técnico, tático e alguns físicos-comportamentais respeitando as fases de desenvolvimento do indivíduo. Além disso, existe uma caracterização de alguns princípios comportamentais para cada posição. Ou seja, nós temos características para todas as posições desde o goleiro até o atacante que precisam ser entendidas e cumpridas. E lembrando, isso de forma alguma limita o jogador. É apenas o ponto de partida. Então, nós temos comportamentos individuais e coletivos para cada faixa etária e cada processo do treino e jogo.
O currículo de formação leva em conta o processo de transição do futsal para o futebol?
O currículo de formação não leva em consideração o futsal. Até porque no primeiro momento não havia a possibilidade de englobar tudo. Mas sabemos que há uma cultura forte e enraizada do futsal no Santa Cruz e na região. O Felipe Cabeleira, por exemplo, é um dos expoentes do clube, e é proveniente desta modalidade. E, certamente, vamos abordar esse tema futuramente por se tratar de um ativo do Santa Cruz e por ter atletas que já estão adaptados a filosofia, história e detêm uma grande paixão pela instituição. E não podemos perder isso.
Quais os benefícios que o Santa Cruz poderá ter com a implantação do currículo de formação?
Como resultado da implantação projetamos ter um aumento na formação de atletas e consequentemente diminuição da evasão. Pois à medida que formamos mais atletas que sejam realmente oriundos da base, que chegaram ao Santa Cruz com 9, 10 anos e, criaram uma identificação ao longo das categorias – desde o futsal até o profissional – a incidência de evasão tende a diminuir. E dessa maneira, conseguimos maximizar o desenvolvimento do atleta. Afinal, ele ama estar no clube. Consequentemente, as possibilidade de realizamos vendas maiores, devido a ótima formação aumentam vertiginosamente.
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O currículo de formação vai proporcionar ao Santa Cruz a ser mais assertivo no processo seletivo de treinadores?
A gente precisa ter autonomia para que o processo aconteça. O clube precisa confiar no processo de formação. E o treinador tem que entender e se adaptar a esta filosofia de trabalho. Eu sempre falo que os treinadores de categorias de base não têm modelo de jogo. O que eles possuem são algumas ideias iniciais de jogo e algumas preferências. Porque o modelo de jogo tem que ser do clube, pois a formação é do clube e o atleta também.
Qual a diferença entre revelar e formar?
Quando se revela, simplesmente retira-se o jogador que está nas categorias de base e o coloca no profissional. Agora esse jogador é formado nas categorias de base? Um jogador que chegou com 18 anos no sub-20 do Santa Cruz e foi lançado ao profissional com 19 anos, é formado nas categorias de base? Ou ele é revelado pelas categorias de base? Não basta ter passado pelas categorias de base, precisa ser formado pelo clube. Se o Santa Cruz quer um atleta identificado, é preciso que ele seja captado com 8, 9, 10 anos e faça com que ele entenda a metodologia de trabalho e se desenvolva ao longo das categorias. Dessa forma, as chances ter êxito no profissional são maiores, do que qualquer outro que chegou com 19 anos e precisa se adaptar a todo o processo metodológico.
Como a questão da regionalização, do clima e do biotipo do atleta interfere no currículo de formação?
É preciso conhecer a realidade a qual estamos inseridos. Não adianta propor um processo de desenvolvimento que não seja correspondente com as características da nossa realidade. A gente sabe que o atleta do nordeste possui um biotipo muito específico e, é preciso alinhar com a forma de jogo, para que possamos maximizar o desempenho do atleta e também da instituição. Por isso, é preciso entender o perfil do atleta, o perfil do clube, a cultura do clube, o que o clube espera, o que o torcedor espera, qual a história do Santa Cruz… É preciso dar significado a tudo isso. E ressalto a necessidade do clube voltar a captar mais jogadores da região. Pois é um facilitador importante.
Como está o desenvolvimento do currículo de formação? E como se dará a operacionalização? Será completa ou em etapas?
O currículo de formação está em fase final de elaboração. A gente teria algumas reuniões com a direção para estabelecer alguns pontos fundamentais em termos de comportamento, o que acreditamos ser ideal para o Santa Cruz, atleta e equipe. E em seguida, realizaríamos algumas reuniões metodológicas com o corpo técnico de todas as categorias do clube para delinear o currículo de formação e torná-lo mais viável na prática. E gradativamente implementar princípios e ideias deste modelo de formação. No primeiro momento vamos padronizar os treinos em todas as categorias e os comportamentos táticos. Mas sempre respeitando a fase de desenvolvimento do indivíduo.
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3 comentários
“Eu sempre falo que os treinadores de categorias de base não têm modelo de jogo. O que eles possuem são algumas ideias iniciais de jogo e algumas preferências. Porque o modelo de jogo tem que ser do clube, pois a formação é do clube e o atleta também.” Frase bastante polêmica.
Thiago é um dos profissionais de referência em Pernambuco, no Nordeste e no Brasil.
Deixo aqui uma pergunta/provocaçao: vocês nao acham que é no litoral brasileiro, onde joga-se diariamente na praia (e nao falo de beach soccer, mas sim de jogar na areia “batida” durante a maré baixa, muito comum no Nordeste), descalço, sem muitas regras, que ainda existe o famoso “futebol de rua”? Que clube observa jogadores ali?
Fala, Marcelo. Eu vejo que há uma generalização perigosa por parte de alguns profissionais ao afirmar que o futebol de rua não existe mais. O futebol de rua existe sim e está muito vivo. Mas onde se encontra? Nas periferias! Não sei de qual região você é, mas vou exemplificar aqui. Se for em bairros como Aflitos, Boa Viagem, Espinheiro e etc, de fato o futebol de rua não existe mais. No entanto, ao se deslocar para bairros periféricos tal qual Mangueira, Joana Bezerra, Jardim São Paulo observa-se a presença do futebol de rua e de toda pedagogia que lhe circunda. Entretanto, é fato que a tecnologia e o desenvolvimento urbano contribuem para a diminuição desta modalidade que antes ocorria de forma maciça.
E sobre as peladas nas areias do nosso litora, isso é muito frequente sim. E note, que se trata de uma substituição do espaço antes vigente que era a rua. Ótima colocação!!
Jonatan, sou de Recife. Nascido e criado no bairro das graças, onde na época (entre 1990 e 1996) ainda haviam campos de pelada (o “sítio”, na rua Jacobina e o “campo dos estudantes” ali no Derby). Mas ja joguei nos Coelhos, Santo Amaro, Jordao, Várzea, carangueijo, Tiuma, Sao Lourenço, na Torre e outros mais. O futebol de rua está lá… mas quem vai ver? Lá no Pina tem futebol 24 horas por dia. Em Olinda, idem. Rio Doce é um celeiro.
Um abraço, Jonatan !