A janela de Manchester e a transferência mais cara da história do futebol feminino

Entre o Campeonato Brasileiro, a Liga dos Estados Unidos e as fortes ligas europeias, uma assume cada vez o prognatismo: a FA WSL, a Liga Inglesa.

Durante muito tempo, ao se falar de futebol feminino, a seleção dos Estados Unidos, as lendas brasileiras e o time do Lyon foram os assuntos principais. Ainda são grandes protagonistas nas rodas de debate, é certo. O Lyon há algumas semanas venceu mais uma Women’s Champions League, os Estados Unidos são a seleção atual campeã do mundo e a Marta continua sendo a maior jogadora da modalidade. Já há algum tempo, porém, os olhos de todos estão voltados para a terra onde o futebol foi inventado, a Terra da Rainha.

Se antes esperávamos as Olimpíadas ou a Copa do Mundo para que o futebol feminino aparecesse entre os assuntos mais comentados, hoje as ligas nacionais ganham peso e mantém a modalidade sempre com pautas quentes.

Após dominar o futebol em território alemão e ser vice campeão da Champions League, o Wolfsburg se despediu de sua principal jogadora. Perille Harder, principal nome do futebol feminino da última temporada, transferiu-se para o Chelsea em uma transação histórica na modalidade. O valor recorde da venda foi de £300 mil.

Em 1970, Martin Peters se transferiu do West Ham para o Tottenham por um valor recorde de £200 mil. Considerando que a Football League foi criada em 1888, demoraram 82 anos para tal valor circular no futebol masculino da Inglaterra. O futebol feminino inglês tem bastante história no começo do século passado, mas nada muito organizado, eram ligas regionais ou estaduais. As mulheres não tiveram espaço por lá da segunda guerra até a década de 90, quando em 1992 foi criada a Womens Premier League. Portanto, considerando esse recorte, a modalidade levou 28 anos para fazer o mesmo valor circular.

Além de Harder, outros nomes badalados chegaram ou retornaram para a Inglaterra. Manchester City, United e Chelsea foram os times que melhor se fortaleceram, mas quem são esses nomes de peso?

MANCHESTER UNITED: A DUPLA NORTE-AMERICANA E A ESPANHOLA DO LEVANTE

1. Ona Battle

A lateral esquerda da seleção espanhola, Ona Batlle, era visada pelo Real Madrid que, após temporada de teste como Tacon, apresentou seu time feminino oficialmente em Julho desse ano. Uma cláusula da liga Iberdrola, porém, obrigava o blanco de Madri a pagar €350 mil para tirar a jogadora do Levante. Essa mesma cláusula não se aplica a clubes de outras ligas, e assim o Manchester United contratou a jogadora.

Ona Battle – Twitter / divulgação

Batlle tem apenas 21 anos é um dos nomes promissores do futebol espanhol. Pela seleção principal, atuou em apenas seis jogos, mas foi campeã da Europa com a Espanha Sub-19 e vice-campeã do mundo com a Espanha Sub-20.

O Manchester United tem um jogo de muita transição, e exige da linha defensiva muita concentração e combate. Battle vai bem no 1×1, tem bom tempo de bola e é inteligente, com certeza vai deixar as Red Devils mais seguras em transição defensiva.

2. Tobin Heath

Apegada ao time de Portland, o Portland Thorns, dificilmente alguém imaginava ver a lendária camisa 17 da seleção norte-americana sair de seu país para vestir a camisa de outra equipe. Em ano de pandemia, porém, coisas extraordinárias acontecem. Após abrir mão de disputar a NWSL Challenge Cup, o rumor de que a bi campeã olímpica e bi campeã mundial pegou todo mundo de surpresa e, ao ser anunciada ontem (09/09), se confirmou como uma das transferências mais emblemáticas da história da modalidade por tudo o que a atleta representa para o futebol feminino e principalmente para a modalidade nos Estados Unidos.

Tobin Heath – Getty

Conhecida por colocar fogo no jogo, buscar a profundidade do campo e tentar o drible constantemente, Tobin chega no United para ser uma das válvulas de escape desse jogo de transição. Atua pelo meio ou pela ponta e tem excelente controle de bola. Está fora dos gramados por muito tempo e deve sentir o nível de intensidade do campeonato inglês, mas quando encaixar no time, poderá ser a jogadora que retém a bola, dá respiro pro United e cria espaços para suas companheiras explorarem, além de toda a experiência que ela agregará ao jovem time de Manchester, indo para a sua terceira temporada de existência e segunda na primeira divisão.

3. Christen Press

Vivendo seu melhor momento na seleção dos Estados Unidos com o novo treinador, Christen Press encontrava no início da temporada seu auge técnico, tático e físico, tendo assinalado nove gols e sete assistências em 15 jogos. Podendo atuar em qualquer posição do ataque — tendo pelo meio e pela esquerda seu melhor desempenho —, Press cai como uma luva nesse time do United. É muito veloz, conhece os atalhos do campo, tem bom drible e excelente arremate de média e longa distância, além de estar acostumada a atuar junto com a Tobin

Christen Press – David Silpa/UPI 

Se Tobin Heath vai muito bem criando espaços, Press a completa sendo alguém que faz a leitura desses espaços com inteligência muito acima da média. Pensando em um cenário onde o United jogue contra equipes superiores -— Chelsea e City, principalmente — o jogo reativo buscando ativar a norte-americana no último terço pode resultar em muitas chances de perigo para as Red Devils

MANCHESTER CITY: A JANELA DE OURO

Após terminar a WSL da última temporada em primeiro mas perder o título para o embalado Chelsea com a paralisação da pandemia (o campeonato foi cancelado e a classificação final foi estabelecida por uma média de pontos conquistados por partida, o Chelsea, que tinha um jogo a menos, acabou alcançando média superior e ficando com o título), os azuis de Manchester foram atrás de reforços para não patinar nos detalhes novamente. Apesar de não ter contratado a melhor jogadora da temporada ou a badalada dupla norte-americana que foi para o United, a janela do City talvez tenha sido a melhor entre todas as ligas.

1. Sam Mewis e Rose Lavelle 

Também teve dobradinha de norte-americanas no lado azul de Manchester. O City contratou por empréstimo as meio campistas da seleção dos Estados Unidos, Sam Mewis e Rose Lavelle. São nomes celebradíssimos pela torcida pois acrescentam ao meio de campo, uma a completar a outra por característica, solidez defensiva e boa distribuirão de jogo.

Sam Mewis – Manchester City / divulgação

Mewis é uma meio campista muito completa e, com quase 28 anos, a campeã do mundo pelos Estados Unidos soma também sua experiência a equipe. Na seleção, atua bastante pelo lado esquerdo do campo, fazendo o box-to-box. Vai bem nos combates defensivos e leitura de espaço quando o time se movimenta em transição defensiva, construindo o jogo desde trás, buscando sempre passes verticais e tendo boa precisão em lançamentos longos e infiltra bem na área. Uma peça que permitirá ao Manchester City maior dosagem de equilíbrio na temporada.

Rose Lavelle  – Manchester City / divulgação

Rose Lavelle é um dos maiores talentos de sua geração. Aos 25 anos, já consegue mesclar em seu futebol capacidade de leitura tática e alto nível técnico. Pode ser uma das peças de desequilíbrio do Manchester City, e, nesse sentido, jogar a Liga Inglesa fará muito bem para a sua evolução como atleta. É decisiva e muito técnica, conduz a bola ao ataque pelo centro do campo desfilando seu repertório de gestos técnicos para associar-se e progredir, esconder a bola e ler bem os espaços para acionar o último terço e finalizar de média distância, mas ainda peca quanto a sua constância nas partidas. Aquela jogadora que diminui o ritmo por muito tempo e aparece para resolver a partida nos grandes momentos do jogo. O fator irregularidade ainda é presente em sua carreira, e jogando em uma liga tão intensa, poderá se tornar uma das jogadoras mais completas do mundo.

2. Uma boa filha a casa torna.

Nessa situação, são duas boas filhas. Lucy Bronze e Alex Greenwood. Experientes na competição, as inglesas retornam ao seu país natal após serem campeãs europeias com o Lyon. Lucy Bronze havia deixado o Manchester City justamente para se juntar ao clube francês, e agora retorna ao time. Greenwood estava do lado vermelho da cidade e se junta a sua companheira de seleção.

Lucy Bronze – Manchester City / Divulgação

Lucy Bronze é uma das jogadoras mais experientes da Inglaterra. Formada no Sunderland, teve boa passagem pelo Everton e, com a camisa do Liverpool em sequência, ganhou duas FA WSL. Transferiu-se para o City e ajudou a equipe a vencer sua primeira e única edição do campeonato inglês, e o objetivo é conseguir seu quarto título de WSL na carreira. Muito completa em seu setor, a lateral direita pode entregar diversas funcionalidades a depender da proposta do treinador e do adversário. Seguindo a função que cumpriu a lateral direita na estreia da equipe na WSL, Bronze será essa construtora por dentro. No Lyon, que tinha um meio de campo leve e bastante ofensivo, a jogadora inglesa ia muito bem controlando a profundidade dos adversários e direcionando a equipe na saída de bola. Dona da posição em qualquer time do mundo, Lucy Bronze eleva mais ainda o patamar desse Manchester City.

Alex Greenwood – Manchester City / Divulgação

Quem ganha com o futebol de Bronze? Greenwood. A lateral esquerda – que também vai bem como meio campista — é muito incisiva e habilidosa. Viveu bons momentos com a camisa do Liverpool e em seguida no Manchester United, onde atuava quase que como uma segunda atacante. Pensando no cenário onde a Lucy Bronze cumpre uma função de construtora — tal qual foi a sua estreia na FA WSL — Greenwood seria quem alarga o campo pelo lado oposto, aproveitando dos espaços para ser aguda. Uma dupla e tanto para o Manchester City.

3. Chloe Kelly

Um time que sempre se destaca por fomentar boas jogadoras é o Everton, vindas de sua base ou não, e consequentemente, é o ex-clube de grandes craques da linga inglesa. Chloe Kelly foi o principal nome das azuis de Liverpool na temporada passada. Em 12 partidas, marcou nove gols e assinalou uma assistência, sendo responsável direta por 47% dos gols da equipe na competição. 

Chloe Kelly – Manchester City / Divulgação

A jovem jogadora de 22 anos tem muita personalidade, chama a responsabilidade do jogo para si, busca o 1×1 com frequência e vai muito bem a quebrar linhas nesse sentido, além de boa capacidade criando por dentro. Dona de belos gols, alguns de longa distância, é um talento que já se tornou realidade e agora tem sua grande chance em um clube que brigará pelo título.

A contratação mais cara da história do futebol feminino: Pernille Harder

Se os times de Manchester impressionaram pelos nomes que vieram, o Chelsea entra para a história ao comprar por £300 mil a melhor jogadora da temporada do Wolfsburg (Pernille Harder). A craque dinamarquesa atuou em 33 jogos em 19/20, e assinalou incríveis 38 gols e oito assistências, uma participação direta absurda em gols.

Ela chega a um já fortalecido Chelsea para ser a cereja do bolo. Entre as opções de encaixe, deve se tornar dupla natural de England no ataque, mas também atua mais recuada, fato é que as atuais titulares do setor ofensivo estão ameaçadas pela presença de Harder na equipe.

No Wolfsburg da última temporada, era ela a responsável por criar superioridade numérica no setor da bola em momento ofensivo, com sua capacidade acima da média de progredir em campo com associações curtas, perceber os espaços e acionar companheiras em zonas mais limpas do campo, e também de tomar decisões que faziam sua equipe buscar o gol com maior verticalidade, com passes à frente, dribles e arremates de longa distância. Atacante muito completa e que vai impulsionar a já excelente England, atual referência ofensiva da equipe.

Pernille Harder – Chelsea / Divulgação

O fortalecimento da Liga Inglesa e dos times europeus que correm atrás do Lyon em busca do sonho europeu é mais um passo que o futebol feminino no velho continente executa em busca da inevitável supremacia técnica como ocorre no masculino, e a prova disso são as jogadoras dos Estados Unidos atravessando o oceano em busca de evolução e preparo para as competições em nível de seleção.

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