A Liga Portuguesa a gostar dela própria
O encontro da primeira jornada da Liga NOS entre Nacional e Boavista terminou com um empate a três golos, naquele que foi o jogo que mais deu a prometer dos oito disputados. A equipa madeirense confirmou as qualidades que a fizeram subir de divisão, enquanto os boavisteiros apontaram o potencial de crescimento que têm.
Luís Freire não tem licença de treinador e o seu nome não tem estado presente nas fichas de jogo do Nacional, mas é sua a marca de qualidade deste conjunto. Com várias subidas de divisão desde os campeonatos distritais de Lisboa até à primeira liga portuguesa, o jovem treinador nascido no concelho de Mafra prometia qualidade desde os tempos em que trabalhava no clube da sua terra. Vasco Seabra, que regressa este ano à Liga, tem apenas mais dois anos do que ele, mas depois de sair do Paços de Ferreira, desceu um degrau na sua carreira para subir dois. Na época passada estava também na Segunda Liga, curiosamente no Desportivo de Mafra, e tem agora no Boavista o maior desafio da sua ainda curta carreira.
A montagem do plano
Luís Freire e Vasco Seabra serão, por tendência, treinadores que apostam em modelos de inspiração semelhantes. Neste momento de entrada na Liga, o Nacional beneficia de ser um projeto de continuidade: a equipa terminou a Segunda Liga em primeiro lugar e manteve dez dos onze jogadores mais utilizados, tendo-se também reforçado com vista ao novo desafio. Esse ano de avanço em termos de trabalho teve expressão na forma paciente como a equipa construiu, chamando o guarda-redes Daniel Guimarães à primeira fase de construção, envolvendo Nuno Borges entre os centrais e demonstrando uma paciência, mesmo perante a pressão do Boavista e os erros cometidos, que acabaram por lhe valer um ponto.
A equipa nacionalista, ao conseguir ultrapassar essa primeira linha de pressão, alargava muito o seu posicionamento em campo para trabalhar, numa segunda fase, a expressão das suas forças ofensivas, que passaram, neste jogo, mais pela velocidade e diagonais de Camacho, Riascos e João Victor, do que no envolvimento de Rúben Micael e Koziello num ataque organizado e arrumado no meio-campo ofensivo. A subida das linhas do Boavista também potenciava essa busca do desequilíbrio, que foi conseguido nos dois primeiros golos da equipa da Madeira.
O Boavista, até devido ao facto do Nacional não pressionar tão alto, colocava mais rapidamente a bola no meio-campo ofensivo, com capacidade para, nessas zonas, envolver as subidas dos laterais com a expressão que o seu criativo, Angel Gomes, conseguiu dar nesta primeira jornada. Passaram pelos pés do internacional jovem inglês todos os momentos de maior desequilíbrio. Esteve no passe que abriu para o primeiro golo, assistiu para o segundo e, depois de uma recuperação de bola, avançou até à área, driblou e serviu para o terceiro tento. A pressão alta dos boavisteiros deu frutos e mostrou que, com o tempo, poderá ainda melhorar na sua efetividade. A lesão de Yusupha muito cedo na partida, substituído por Benguché, condicionou a aposta na velocidade da referência do corredor central na gestão do resultado.
Fatores de domínio
Num primeiro momento, as duas equipas olharam para a luta pela posse de bola como o principal fator de domínio no controlo do ritmo, algo que fica, desde já, como promessa, reconhecida a marca de identidade na carreira de ambos os técnicos. A posse, no entanto, teve territórios de expressão diferenciados. Do lado do Nacional, a primeira fase de construção foi o espaço de maior evidência em posse, com o quadrilátero composto por Pedrão, Nuno Borges, Lucas Kal e Rúben Micael a dominar o número de passes trocados. O Boavista encontrou esse espaço numa zona mais adiantada do terreno, formando um triângulo à esquerda com o lateral Ricardo Mangas, o médio recuado Nuno Santos e o criativo Angel Gomes a predominar.
A nível dos duelos, Nuno Borges do Nacional e Nuno Santos do lado do Boavista foram baluartes. No entanto, foi evidente que Luís Freire apostou na exploração do espaço onde estava Jesus Gómez, jovem central mexicano que se estreou nos boavisteiros, lançando Riascos nessa zona e provocando, aí, o confronto com mais registos da partida. Não por acaso, os dois primeiros golos do Nacional nascem de situações em que Riascos supera Gómez. O Boavista viveu mais de uma exploração da pressão sobre o flanco direito defensivo do adversário. São duas perdas de bola nessa zona (na primeira parte com Kalindi em campo, na segunda parte já com Rúben Freitas) que originam golos.
A expressão adotada pelas duas equipas deixou, também, a sugestão da forma como ambas se preparam para um longo campeonato. À partida, são equipas de objetivos diferentes. O Boavista, pelo investimento feito, apostando aos lugares de apuramento europeu, o Nacional, depois do sobe e desce, terá como primeira missão garantir a manutenção. Mas, se no que toca a inspiração de modelo, seguem uma linha de posse e controlo do jogo, também é evidente que ambas detém peças para explorar momentos de transição rápida, apostando no desequilíbrio a partir da exploração do espaço nas costas da defensiva rival. O mais interessante de seguir nas próximas semanas é a forma como as duas equipas se irão desenvolver. Encontrando, a pouco e pouco, mais conjuntos que se fecharão melhor em termos defensivos, tendo necessidade de explorar os diversos planos de aproximação que estão já a ser preparados.
Figuras em destaque
Será por demais evidente, depois de lido o artigo até aqui, quem merece esse destaque. O colombiano Brayan Riascos não é uma novidade. Apesar de ter só 25 anos, tem já uma longa carreira, com passagem pela formação do Corinthians e várias experiências em Portugal. Na anterior passagem pela Liga, já com o Nacional, não conseguiu expressar-se em termos de finalização, mas duas temporadas na Segunda Liga, uma anterior com a Oliveirense e a época passada com os madeirenses, mostrou valor para outros voos. A primeira jornada mostrou tudo isso. Enorme capacidade física, velocidade, técnica de drible e, sobretudo, a conquista de uma confiança que lhe poderá valer maior evolução.
O inglês Angel Gomes tem, em Portugal, a espinhosa missão de ter sucesso onde o seu pai falhou. O pai, Gil, foi campeão mundial de Sub-20 em 1991, mas nunca conseguiu confirmar todo o seu potencial no futebol profissional. Angel fez a sua formação no Manchester United, assinou pelo Lille e está emprestado ao Boavista. O primeiro jogo mostrou como a sua capacidade de passe e a inteligência posicional podem ser muito importantes no momento ofensivo. As qualidades demonstradas irão fazer aumentar sobre si o encurtamento de espaços, algo a que terá que conseguir responder, sendo um atleta que, neste primeiro jogo, se apagou um pouco quando intimidado. Mas a qualidade está lá e promete crescer.
No fundo, encontramos neste confronto entre Nacional e Boavista tudo aquilo que a Liga Portuguesa pode prometer. Dois técnicos jovens e com modelos de identidade definida, equipas com talentos em campo, a emoção que a curva do marcador acabou por apresentar. Não só é daqueles jogos que vale a pena rever, como são duas equipas que, fica o conselho, serão de acompanhar. A Liga Portuguesa também é capaz de gostar dela própria.
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