Biotipo, velocidade de raciocínio e tomada de decisão: o que é a intensidade no futebol
Ao Footure, Fábio Mahseredjian, José Boto e Leandro Zago contribuem no debate sobre o termo que vem sendo cada vez mais utilizado no esporte de alto rendimento
Como a vida, o futebol está em constante evolução. Dentro ou fora de campo, as novidades tampouco cessam. Com o crescimento de uma geração que passou a acompanhar o jogo de maneira mais fria racional, o dicionário do esporte foi, por consequência, alterado. Dentre tantos termos e palavras recentes, intensidade passou a ser, inevitavelmente, a mais abordada.
Embora a métrica esteja sendo cada vez mais inserida em conteúdos analíticos, nas mídias esportivas e dentro das próprias arquibancadas, nem sempre é desenvolvida e entendida corretamente. Tratada apenas como critério para força e velocidade, ainda que também seja, a característica engloba outros fatores igualmente essenciais.
Preparador físico da seleção brasileira, Fábio Mahseredjian entende a intensidade como “a capacidade de executar vários esforços em um período curto de tempo”. “Você executa um pique de velocidade, um sprint de velocidade, uma transição ofensiva de 30 metros e, ao mesmo tempo, na perda da bola, você retorna mais 30, 40 metros com um tempo de intervalo curto, participando do jogo o tempo todo”, analisa.
Treinado pelo alemão Jürgen Klopp, o Liverpool, no auge, foi referência de intensidade em todo o mundo. Adotando uma postura ininterruptamente vertical e dando ênfase ao conceito de gegenpressing, tal característica foi dada exclusivamente pelo aspecto físico. Todavia, para Leandro Zago, técnico com passagens pelas categorias de base de Corinthians, Palmeiras, Ponte Preta e Atlético Mineiro, o debate vai além: “A intensidade, no futebol, não pode ser medida pelos dados do GPS, apenas. Os dados do GPS têm uma relação, sim, mas eles têm que estar conectados com a efetividade das ações da equipe. É o correr melhor, o movimentar melhor, o trotar melhor, o andar melhor”.
Há algumas décadas, tornou-se comum que os protagonistas do esporte se reúnam em território europeu, evidenciando, assim, o nível técnico do jogo visto no continente. No entendimento de Zago, para identificar o que é intensidade, a observação apresenta-se como primordial. “Geralmente, uma equipe ou um jogador intenso são aqueles que dão as melhores respostas para os problemas do jogo. Se o problema é passar bem sob pressão, conseguiu passar bem sob pressão; se o problema é recuperar rápido a bola, desde que essa seja a proposta da equipe, ela está recuperando a bola rapidamente com gasto de energia baixo e com efetividade muito grande; se o objetivo da equipe é finalizar a sequência da jogada com velocidade, ela está conseguindo finalizar a jogada várias vezes com frequência. Então, você vai medir muito em cima daquilo que é a natureza da equipe e a natureza do jogador.”
À medida que o tempo passou, a tecnologia se expandiu globalmente. No futebol, portanto, não ocorreria o oposto. Sobre a inserção de novas plataformas de dados, o português José Boto, diretor de scouting do Shakhtar Donetsk, é claro: “Óbvio que qualquer plataforma de scouting ajuda a identificar as características físicas das que a gente quer. Elas, hoje, ajudam quando é óbvio, assim como a observação ao vivo também ajuda a identificar características físicas”.
“Nós, que andamos no futebol, temos que ter essa sensibilidade e não precisar (das plataformas). Os números podem nos confirmar aquilo que a nossa sensibilidade e aquilo que olhamos e vemos no jogo. Se vejo que um jogador é rápido, não preciso dos Datas para perceber que um jogador é rápido olhando para ele”, avalia o scout do clube ucraniano.
Por natureza biológica, nem todos os atletas possuem o mesmo biotipo. Por ser democrático o bastante, entretanto, o futebol aceita todos eles. “Existe a individualidade biológica, e isso o atleta nasce com essa individualidade. A genética é quem determina se esse atleta será de resistência ou se será um atleta de velocidade, força e potência. Isso diz respeito à sua composição no músculo esquelético”, reconhece Fábio Mahseredjian.
Ainda sobre o tema, Mahseredjian garante que, embora um jogador não seja privilegiado do ponto de vista físico, é possível fazê-lo evoluir: “Treinamentos e comando desses treinamentos vai fazer com que o atleta torne-se mais intenso. Isso vai depender muito de quem comanda o treinamento, de quem comanda essas equipes, e a proposta dessa equipe, também. Se você fizer uma equipe reativa, ela, com certeza, tem que ter intensidade para que você possa executar as funções táticas demandadas pelo seu treinador”.
Na história do futebol, sobretudo o brasileiro, não são poucos os jogadores que, considerando tão somente com o lado técnico, não ofereceram o que sempre garantiam com a bola nos pés. Atualmente, quando o debate vem à tona, o nome mais citado é o de Jean Pyerre, do Grêmio. Aos 22 anos, o meio-campista vem sendo, nos bastidores, tratado como moeda de troca. De acordo com o portal UOL Esporte, em notícia veiculada em março, o Red Bull Bragantino vetou o jovem por entender que não oferecia a mencionada intensidade.
Sob a ótica do técnico Leandro Zago, contudo, a visão pode ser tratada de maneira mais racional: “Cada atleta manifesta a sua performance muito de acordo com aquilo que ele sente jogando, e tem atletas que não sentem a necessidade ou não veem o jogo como algo competitivo, algo que é como se fosse quase uma guerra em que eu estou o tempo todo disputando e tendo que negar espaço para o meu adversário. Eles percebem o jogo de uma maneira diferente. Isso faz com que ele perca, em alguns casos, algumas fases e algumas capacidades de agir em algumas fases do jogo”.
“É a forma como ele percebe o jogo. O que falta para ele, ou o que é da natureza dele neste momento, é que ele ainda, talvez, não perceba algumas coisas que deem, para ele, mais vantagens dentro do jogo”, acredita.
Atletas como o citado Jean Pyerre, ou até mesmo Paulo Henrique Ganso e Alexandre Pato, que foram postos como os nomes de uma geração, sempre estarão em pauta. No entanto, mais além de uma visão romântica, José Boto, que disputa a Champions League ano após ano, entende que não pode errar: “O foco tem muito a ver, às vezes, mais com questões de concentração. E isso não tem a ver com intensidade, tem a ver com a personalidade mais do jogador do que propriamente com questões que tenham a ver com o jogo. Aí, sim, se vejo um jogador que não é focado, um jogador que faz uma boa ação, que tenha se enquadrado naquilo que eu quero, mas faz isso de 6 em 6 meses, de seis em seis jogos, é óbvio que vou vetar a contratação dele”.
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