Martial, Lukaku e a importância do contexto nos casos de Manchester United e Internazionale
Os debates não terminam: em quem o United deveria ter confiado para comandar o seu ataque? O contexto nos ajuda a entender
Por um ponto de vista puro e direto, o futebol é feito da qualidade dos jogadores. Hoje em dia, porém, o esporte e seus resultados são cada vez mais determinados pelo encaixe desses jogadores dentro de um contexto favorável. É essencial que o perfil de um atleta seja compatível com a sua equipe para que o rendimento corresponda com o esperado e agrade todos os envolvidos. Grandes exemplos disso saem do Manchester United.
Quando Ole Gunnar Solskjaer decidiu seguir em frente com a venda de Romelu Lukaku — que desejava sair, é importante ressaltar —, muitos questionaram se liberar um atacante desse calibre era a escolha correta. As críticas ficaram ainda mais fortes quando a janela de transferências fechou e nenhum reforço foi contratado para preencher essa lacuna do elenco. Como o time poderia render sem um ‘9’ de peso?
Bem, no fim das contas, a negociação acabou sendo produtiva para bastante gente. Anthony Martial, até então de talento inegável mas sem um status consolidado, recuperou a camisa que era sua antes da chegada de Zlatan Ibrahimovic em 2016 e fez sua melhor temporada na carreira – além de ser fundamental para o desempenho coletivo. O treinador norueguês desde o início do seu trabalho indicava que pretendia implantar um 4-2-3-1 baseado em marcação agressiva, velocidade e um ataque leve e dinâmico.
Por mais que o atual artilheiro da Internazionale seja excepcional em muitos aspectos, o encaixe simplesmente não acontecia — ou não aconteceria. Mesmo com inteligência e visão de sobra, vê-lo como figura isolada no meio trazia pontos fracos que não poderiam existir dentro desse sistema. O centroavante seria a referência para recuar e logo na sequência do domínio já acionar os companheiros, os colocando em profundidade ou iniciando tabelas em espaços curtos.
Enquanto Martial virou um verdadeiro especialista no assunto — em 19/20, sem dúvidas foi um dos destaques nessa função —, Lukaku não demonstrava o refinamento técnico em tais tipos de ação. Ressalto: não é dizer que ele é um jogador sem técnica, longe disso, até porque o termo é bem abrangente; mas nesses movimentos era falho, inconstante e com uma sequência de erros até perdia a confiança. Muitas vezes demonstrava consciência no raciocínio, mas a execução o deixava pra trás e as coisas não fluíam como o necessário.
Se Romelu teve problemas de condicionamento em seus últimos meses na Inglaterra e não dava a impressão de que estava disposto a entrar na linha, o francês passou por um desenvolvimento físico – e mental – considerável e também se tornou peça-chave na pressão, criando chances com sua marcação intensa. E, claro, balançou as redes.
Uma das missões específicas de Solskjaer no comando dos red devils era transformar Anthony em um atleta mais faminto por gols de todas as maneiras – não só os golaços que ele sempre fez, mas também aqueles mais simples (mas não mais fáceis, diga-se), atacando a área e antecipando a marcação.
O resultado ao final de 19/20 foi o seguinte: 23 gols (sem pênaltis), 6 assistências, sexto maior marcador da Premier League (sem pênaltis, contando fica em 8º), responsável — junto com Bruno Fernandes, recentemente — por conectar um setor ofensivo que foi um dos melhores do continente. A forma que dialoga com os companheiros dentro de campo é superior à do seu antecessor, tendo como exemplo o entrosamento com Marcus Rashford. Todo esse cenário abriu espaço também para a ascensão de Mason Greenwood, uma jovem estrela em construção.
No total, esses três somaram para 61 gols e 15 assistências. Considere também que os dois primeiros tiveram lesões de recuperação relativamente longa e o último só se tornou titular no período pós-pandemia. Não dá pra dizer que a coisa tá ruim, né?
Como também não dá pra dizer que a coisa tá ruim no Giuseppe Meazza — apesar dos momentos não muito felizes na decisão da Europa League. Antonio Conte sempre foi um admirador de Romelu Lukaku e existe uma reciprocidade nessa relação, demonstrada pelas palavras e postura do jogador perante ao treinador e ao seu time atual. O belga saiu de uma figura mais isolada e deslocada no projeto desse ‘novo United‘ e se tornou uma arma super perigosa em um sistema bem específico do comandante italiano.
Diversas nuances menores também influenciam o rendimento, mas a mais relevante e óbvia está na disposição do ataque. Se Solskjaer pede para o seu camisa 9 puxar a marcação, armar e construir em espaços curtos, o belga no momento participa de uma dupla que favorece totalmente o seu estilo de jogo.
Lautaro Martinez é outra figura imponente que consegue dividir as atenções da defesa, receber as bolas com qualidade e colocá-lo em plenas condições de fazer o que faz de melhor no alto nível: vir de trás e atacar o espaço, conduzindo a bola ou infiltrando a área em um timing que lhe dá vantagem. Enquanto os zagueiros ainda estão decidindo o que fazer diante de dois atacantes qualificados, ele já está um passo à frente.
A marcação na Série A também não se compara com a da Premier League, principalmente na intensidade e no pressing. A liga melhorou e merece todos os créditos por isso, mas parte da sua identidade é dar mais tempo e espaço para a tomada de decisão dos jogadores em determinados momentos. Isso também casou com as características de Lukaku, capaz de criar com eficiência se a zona ao seu redor não se fecha tão rapidamente.
Dentro desse cenário fez 34 gols nesta campanha, comandado por um técnico que sempre gostou de ter peças de imposição na linha de frente.
Além, claro, de toda a questão psicológica. Ele já não via mais o seu futuro em Old Trafford e mudança de ares fez com que fosse abraçado por completo pela comissão técnica, torcida e companheiros. Se sente importante novamente e sabe que pode continuar rendendo como um dos melhores na posição. Enquanto isso, o United vê a ascensão de um dos ataques mais potentes da Europa com peças que conversam diretamente com a filosofia adotada pelo clube.
Estão felizes em Manchester, estão felizes em Milão (novamente, apesar da final da UEL). Que seja dada a devida importância para o encaixe e o contexto no futebol.
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