Pablo Vicó, o homem sem medo de amar
Tão bela e romântica quanto pouco conhecida, a história de Pablo Vicó e do Brown de Adrogué se mistura em decepções, alegrias e expectativas nos escalões inferiores do futebol argentino
![](https://footure.com.br/wp-content/uploads/2020/03/vicó-2.jpg)
“São raros os momentos em que vocês não irão me ver vestidos com os trajes do clube. Existem técnicos que dirigem seus times de paletó e gravata, mas eu não posso. Não me sinto confortável. Me deixem assim, me amem como eu sou”
Mais do que esta frase em si, talvez a palavra “simplicidade” seja o termo que melhor defina quem é Pablo Vicó. Simplicidade, esta, que carrega consigo dentro e fora de campo. É bem possível que muitos não conheçam um dos treinadores mais longevos do futebol sul-americano, afinal, estamos falando de um profissional e de um time que fogem da alça de mira do grande público. E não há como falar de Vicó e do modesto Brown de Adrogué separadamente. Vicó é o Brown, e o Brown é Vicó.
Desde 2009 no comando da equipe ao sul de Buenos Aires, o Ferguson do Conurbano faz literalmente do clube a sua casa. Sua moradia fica a pouco menos de 100 passos da linha lateral do gramado do Estádio Lorenzo Arandilla, onde orquestra seu time a cada final de semana nas divisões inferiores do futebol argentino. Um beliche onde acomoda seus objetos pessoais, uma cama de solteiro, uma televisão, uma mesa redonda e alguns eletrodomésticos são tudo de que Vicó dispõe em seu cômodo há mais de 10 anos.
Essa década é apenas metade da história que possui com os tricolores. Sua trajetória com o clube de Adrogué já ultrapassa as 20 primaveras. Após se aposentar dos gramados, iniciou sua carreira na casamata orientando os times de base do Brown em 1997. Após a demissão de Juan Pablo Kopriva, em 2009, assumiu a equipe profissional como interino e, desde então, nunca mais deixou a beira do campo.
Seus bigodes espessos, cabelos despenteados e a fisionomia magra lhe renderam o carinhoso apelido de Don Ramón, em referência ao icônico personagem conhecido no Brasil como Seu Madruga, do seriado Chaves. Claro, o personagem criado em torno dele ajudou bastante no carinho nutrido pela torcida, mas alguns momentos de sucesso dentro de campo para os padrões do Brown colaboraram para o fanatismo por Vicó.
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Em 2013, levou o clube ao acesso para a Primeira B Nacional (segunda divisão argentina) pela primeira vez na história, ao bater o Almagro nos playoffs em uma disputa de pênaltis infartante. Sofrendo com o “efeito ioiô”, o time de Adrogué caiu em 2014 para a Primera B Metropolitana (terceira divisão). Porém, em 2015, a maior e mais agônica glória da agremiação veio.
Brigando não apenas pela promoção ao segundo escalão, mas também pelo título, o Brown (78 pontos) entrava em campo na última rodada contra o Deportivo Morón precisando vencer e torcendo por um empate no confronto direto entre Estudiantes de Caseros (79 pontos) e Defensores de Belgrano (78 pontos). No jogo dos postulantes, o 0 a 0 não saiu do placar até o final. Em Morón, o marcador em 1 a 1 não servia para as aspirações tricolores mesmo com o resultado paralelo perfeito. Isso até os 49 do segundo tempo. Após cobrança de escanteio do lado esquerdo e um desvio de cabeça, Juan García surgiu nas costas da defesa rival para empurrar a bola para a rede, garantir a vitória, o acesso e a primeira taça da carreira de Pablo Vicó.
![Pablo Vicó](https://footure.com.br/wp-content/uploads/2020/03/brown.jpg)
A conquista teve um sabor ainda mais especial – e carregado de emoção – para o técnico. No começo de 2015, Vicó havia perdido seu filho em um acidente automobilístico. O duro golpe o fez cogitar abandonar o futebol. Entretanto, soube tirar forças desta tragédia e, ao apito final no Estádio Francisco Urbano, suas primeiras palavras foram dedicando o título a seu filho. De quebra, foi aplaudido pela torcida do Deportivo Morón, complementando o ambiente de comoção e felicidade.
Além dos acessos, a passagem de Vicó pelo Brown é marcada por duas vitórias contra uma das equipes mais tradicionais da Argentina: o Independiente. A primeira delas aconteceu em 2013, logo rodada inaugural da Primera B Nacional, quando o tricolor estreava na segunda divisão e, por coincidência, os rojos experimentavam o ineditismo de um descenso. O triunfo por 2 a 1 em pleno Libertadores de América foi um verdadeiro choque, mas não foi influente o suficiente para impedir o retorno do Independiente à elite nem a queda do Brown ao final da temporada. A segunda, não menos chocante, veio na Copa Argentina, na temporada 2017/2018. Após o 1 a 1 no tempo normal, superou seu poderoso oponente nas penalidades por 4 a 3.
Atualmente, o treinador vem lutando para elevar o nível do Brown e conseguir levar seu amado clube à Superliga pela primeira vez na história. Nos últimos anos, inclusive, passou muito perto de conquistar seu objetivo, chegando nas quartas de final dos playoffs de acesso em 2018/19 e na semifinal em 2017/18. Nesta temporada suspensa por conta do COVID-19, não vinha tendo o mesmo sucesso, ocupando apenas a 10ª posição do grupo da Zona B entre 16 equipes, com 24 pontos em 21 jogos.
Mesmo assim, resultados e sucesso são apenas meros detalhes para Pablo Vicó e para o Brown de Adrogué. Em tempos de amores líquidos, um homem e uma instituição desafiam a tese de Zygmunt Bauman em um modesto canto das redondezas de Buenos Aires. Enquanto existir um campo, uma bola e onze homens dispostos a trajar o vermelho, celeste e preto do Brown, Don Ramón seguirá, por si só, sendo um refúgio do romantismo do futebol em terras meridionais. E para resistir, não precisa nada além do cimento frio do Lorenzo Arandilla e de seu bigode a cada final de semana.
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