A Seleção do Pan de 2007, a geração do quase
As atuações e a medalha de ouro da Seleção Brasileira no Pan de 2007 trouxeram a esperança para uma geração que acabou ficando no "quase" em diversos momentos
No próximo fim de semana, a Globo reprisará a final do Pan de 2007, que terminou com medalha de ouro para a Seleção Brasileira. Um ano mágico de um time histórico que foi medalhista de ouro e vice campeão mundial, eliminando a seleção dos Estados Unidos da copa do mundo nas semifinais e derrotando as norte-americanas também nessa final dos jogos Pan-Americanos, duas goleadas.
Diante de um Maracanã lotado com 70 mil pessoas, a Seleção Brasileira venceu os Estados Unidos por 5×0 e se viu em um momento que só jogadores da seleção masculina experimentavam. Elas eram as ídolas, o nome da Marta estava na ponta da língua dos brasileiros. O Brasil estava rendido a melhor seleção de nossa história.
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Nessa época, muito se falava sobre o surgimento de uma seleção que talvez conseguisse uma supremacia nas competições, que contava com jogadoras que já atuavam em alto nível e com muitos anos de carreira pela frente, como a Marta, Cris e Daniela Alves, e também as experientes Formiga e Maycon, que davam equilíbrio para um time que tinha quase tudo. Talento individual, uma identidade tática muito forte e bem absorvida pelas jogadoras, um jogo de velocidade ofensiva e muita consistência defensiva. Um show em quatro linhas.
Pela Copa do Mundo foram 17 gols feitos e 4 gols sofridos, pelo Pan-
Americano, 33 gols feitos e nenhum sofrido. Marta foi a artilheiras das duas competições, eleita melhor jogadora do mundo no ano anterior.
Uma geração que já em 2004 mostrava indícios de que poderia protagonizar entre as melhores seleções do mundo. Nesse ano, o Brasil foi medalha de prata nas olimpíadas e até mesmo os jornais dos Estados Unidos, o campeão, consideraram o resultado injusto.
“Marta é uma das melhores que já vi jogar. Ela é a ‘coisa real'”
Mia Hamm, após a final olímpica de 2004, segundo o colunista Ron Judd, do “Seattle Times”.
Mia Hamm era considerada nessa época a melhor jogadora de todos os tempos, enquanto a Marta, uma revelação de 18 anos que já surpreendia a todos com o seu jeito único de jogar futebol.
Por que essa foi uma geração do quase?
Apesar do ouro no Pan-Americano, essa seleção colecionou frustrações que não condiziam com o alto nível técnico que atingiu. Pensando em investimento da CBF, por sua vez, foi um time que chegou onde jamais poderíamos imaginar.
Não existia Campeonato Brasileiro nessa época – a competição só se iniciou em 2013. As atletas jogavam no exterior, muitas vezes em campeonatos com poucos meses de duração, mas precisavam enfrentar seleções como a Alemanha, que nos derrotou por 2×0 na final da Copa do Mundo de 2007, e que já tinha uma liga nacional consistente, vários jogos oficiais como seleção e um ritmo de jogo e competitividade bem maior que o nosso. O Brasil participava de alguns poucos amistosos de preparação e era tudo o que a CBF oferecia para as jogadoras.
Os feitos dessa geração sem qualquer investimento mas que desfilava talento, forçou a CBF a organizar a primeira Copa do Brasil, mas uma ação ainda muito pequena para permitir que conseguíssemos atingir a resposta esperada pela alta expectativa que criamos no mundo inteiro durante os torneios.
Em 2004, falava-se de um Estados Unidos que precisaria de uma reformulação após o ouro olímpico, devido ao envelhecimento das jogadoras, e de um Brasil que seria soberano, com Marta, Cris, Daniela Alves, Formiga, Maycon, Aline Pellegrino, Rosana e companhia, prontas para escrever uma história longa de muitas conquistas.
A realidade: manutenção da soberania norte-americana e frustrações para o Brasil
São inúmeros fatores que explicam essa realidade. Se o Brasil é considerado o país do futebol, os Estados Unidos são o país do futebol feminino. A maioria dos meninos brasileiros praticamente nascem com uma bola de futebol. Nos Estados Unidos, a bola de futebol, do soccer, é das meninas. Eles contam com a maior base de futebol feminino do mundo.
Quem acompanha as modalidades norte-americanas no geral, sabe que no país, esporte e educação caminham juntos, e as meninas vêem no futebol uma chance de estudar em uma boa faculdade. Existem leis e campanhas de incentivos que protegem e motivam as meninas a jogarem. Não à toa o país representa 71% das mulheres que jogam futebol no mundo inteiro, segundo uma pesquisa da FIFA divulgada em 2019.
É comum o pensamento no Brasil de que para se ter dinheiro, é preciso se provar rentável primeiro, mas a confederação dos Estados Unidos não pensa assim. Qualquer negócio para gerar lucro, precisa antes de investimento, e a US Soccer, a confederação americana, é a que mais investe na modalidade.
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Enquanto o Brasil está sempre a espera de uma nova Marta, uma nova Cris ou uma nova Formiga, os Estados Unidos produzem jogadoras de alto nível o tempo inteiro. Por isso dizemos que a Marta é a maior jogadora de todos os tempos, mas os Estados Unidos a maior seleção. O nome que mais se aproxima individualmente do peso da craque brasileira na história da modalidade é a Mia Hamm, mas não possui as mesmas conquistas individuais, porém, celebrou conquistas coletivas.
Atualmente, podemos reconhecer que o Brasil ganhou mais consistência na modalidade. Falamos da Marta, da Cris e da Formiga, mas também estamos conhecendo outros nomes, que jogam dentro e fora do Brasil, que fomentam rivalidade nacional. Contudo, apesar do tamanho do nosso país, nossa base ainda é muito pequena.
O poder da reivindicação coletiva
Apesar das jogadoras norte-americanas reconheceram que a US Soccer faz mais do que qualquer outra confederação no mundo, elas nunca se permitem estacionar na zona de conforto. Esse reconhecimento e investimento, inclusive, não aconteceu desde sempre. Em 1991, os Estados Unidos também viviam a realidade de não ter investimento e de jogar com os uniformes que sobravam da seleção masculina.
Não é incomum alguma jogadora de outras seleções ser cortada de uma convocação por reivindicar algum direito, cobrar melhorias, igualdade de pagamento em relação as seleções masculinas, mas os Estados Unidos desde sempre atuaram com muita união em suas reivindicações. Cortar uma ou duas jogadoras não compromete todo um trabalho, cortar todas as atletas, sim.
Mesmo com tantos títulos, reconhecimento e investimento, a seleção feminina dos Estados Unidos ainda não recebe o mesmo pagamento que a masculina, e todas as atletas assinaram juntas um processo contra a confederação. As jogadoras possuem até mesmo uma associação que tem como finalidade defender e lutar por direitos das atletas da modalidade no país.
A presença nas redes sociais
Não apenas os cidadãos dos Estados Unidos acompanham e celebram sua seleção. As norte-americanas contam com apoiadores ao redor do mundo inteiro. No Brasil é super comum diversos grupos de torcedores que são verdadeiros apaixonados pela seleção norte-americana. Além de ser comum no futebol como um todo a disseminação de ídolos além das fronteiras, o brasileiro é carente de conteúdo da sua própria seleção, enquanto os Estados Unidos alimentam suas redes com histórias das jogadoras, vídeos de entretenimento com as atletas, fotos, brincadeiras, números, transmissões etc.
Apesar do mesmo número de seguidores no Instagram, a seleção brasileira explora bem menos conteúdo, tendo publicado apenas 554 posts, enquanto a seleção dos Estados Unidos conta com mais de 4 mil publicações. Os grandes fãs da modalidade são usuários ativos do Twitter, e mesmo assim a seleção feminina opta por não ter um perfil exclusivo para o time. O perfil da NWSL, liga nacional dos Estados Unidos, mantém seu conteúdo ativo mesmo em tempos de pandemia, já a última postagem do campeonato brasileiro aconteceu em Março, está abandonado.
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As duas seleções mantem o mesmo canal de Youtube para as duas modalidades, porém, a confederações norte-americana explora muito mais conteúdos sobre a seleção feminina.
O Brasil precisa otimizar suas forças e parar de desperdiçar talentos
A seleção de 2007 é unânime entre os torcedores brasileiros e aquela que chegou mais perto de ganhar os principais torneios. Ainda assim desperdiçamos a chance de investir e nos tornarmos de fato uma potência a partir dali. Ano passado tivemos a copa do mundo de 2019 que mudou a forma que o Brasil vive e consome o futebol feminino. A CBF foi pressionada e contratou uma técnica estrangeira, renomada e vencedora, inclusive comandando a seleção dos Estados Unidos. Times de camisa do futebol masculino começaram a investir nos times femininos e o campeonato brasileiro de 2020 começou com a promessa de ser um dos mais disputados da história, se não o mais. É hora de finalmente trabalharmos para concretizar aquilo que temos potência para ser: o país do futebol feminino também.
A camisa dos Estados Unidos x a camisa do Brasil
As jogadoras dos Estados Unidos entram em campo com uma camisa que conta com 4 estrelas bordadas, afinal, são tetra-campeãs do mundo. O Brasil ainda não conquistou nenhum mundial, mas carrega no peito as 5 estrelas de penta-campeão da seleção masculina.
Para a copa de 2019, a CBF lançou um modelo exclusivo para a seleção feminina, mas ainda carregando as estrelas da seleção masculina. Alvo de muitas críticas, o Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da CBF, disse que as próximas camisas contariam com o novo escudo da entidade e nenhuma estrela, mas ainda não vimos essa troca acontecer.
A seleção brasileira feminina merece escrever sua própria história, em uma camisa que, apesar de ainda sem nenhuma estrela, carregada de muita luta e superação apesar de tudo, apesar de muitas vezes, nada. Que possamos nos divertir com o jogo domingo, e com novas histórias lindas e cheias de conquistas, e investimento, nos próximos anos.
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