Expected Goals (xG): o que é e como usá-lo na análise do futebol?
Uma estatística avançada que nos ajuda a quantificar, qualificar e entender os momentos decisivos do jogo
A transformação que a tecnologia proporcionou ao mundo tem efeitos em todos os campos possíveis. O do futebol, claro, foi amplamente impactado e passa constantemente por um processo de atualização e aprimoramento das práticas relacionadas ao jogo e seu entorno. De equipamentos que até pouco tempo atrás não existiam e hoje são utilizados para colocar o condicionamento físico dos atletas em outro nível até as plataformas de streaming que vão organicamente tomando o espaço de meios tradicionais de consumo de conteúdo, exemplos não faltam.
E uma das possibilidades geradas por esse boom está diretamente ligada à compreensão aprofundada do esporte. São várias as ferramentas e estatísticas avançadas que surgiram nos últimos anos, mas nenhuma chamou tanto a atenção quanto os Expected Goals (xG). O uso interno nos clubes já é praticamente um padrão e carrega efeitos para a montagem dos elencos e a preparação dos treinamentos, mas claro: o espectador também sai ganhando.
Sites como o understat e contas no Twitter como 11stegen11 e Caley Graphics trazem dados atualizados quase que diariamente sobre partidas ao redor do mundo e amplificam a análise. E também temos um exemplo bem próximo.
Falo do portal Quase Gol, criado por Gustavo Fogaça, colaborador do Footure que inclusive escreveu sobre o tema nesta semana em nosso novo espaço: o Data Footure. Ele, que também é comentarista do DAZN e analista de desempenho, criou um modelo que nos permite mensurar qualquer tipo de lance após inserir alguns dados.
A diferença em relação às plataformas do exterior é que sua database é a única voltada especificamente para o futebol brasileiro. A cada ano o modelo vai se tornando mais preciso, à medida que as finalizações de cada temporada são somadas. “Não adianta usar para o Brasileirão um modelo de xG que utilize em sua fórmula uma base de finalizações da Premier League, por exemplo. Todo mundo sabe que são competições bem diferentes, tanto em qualidade técnica e tática, quanto na intensidade com e sem a bola, a velocidade da bola e do jogo”, ressalta o dono do projeto.
Mas afinal de contas, o que significa Expected Goals? Pode parecer algo complexo e de difícil compreensão, mas vem de uma das questões mais conhecidas e antigas do futebol. Quantas vezes você lamentou uma chance perdida com um “ele deveria ter feito, estava fácil – eu fazia!” ou defendeu um jogador apontando a dificuldade circunstancial em que ele se encontrava? Michael Caley, um estudioso dos Estados Unidos, também passava por isso e resolveu desenvolver uma métrica para ter respostas mais claras.
Surgiu então o xG, com o propósito de mapear os pontos de cada finalização e, os internalizando em bases de dados extensas, medir a probabilidade dos gols saírem. Todos os parâmetros saem de um chute, portanto, as nuances desse fundamento se tornam nos pontos centrais para a resolução; de onde a finalização saiu (distância/ângulo)? Qual é o tipo de passe (cruzamento, bola no chão, lançamento, bola parada, lateral, rebote e etc.) que precedeu a ação? Com qual parte do corpo ela foi realizada? O jogador driblou alguém antes de chutar – se sim, quantos? Qual foi a velocidade do ataque que resultou nessa conclusão?
Enquanto nas tabelas e estatísticas básicas observamos indicadores de resultado (pontos, vitórias, gols, finalizações, chances criadas), que obviamente são essenciais, essa advanced stat é um verdadeiro indicador de performance. Considere que cada chute/cabeceio tem chance de 0 a 1 de entrar no alvo. Dentro desse parâmetro, somando as finalizações de cada time em uma partida podemos ter uma noção de quantos gols “deveriam”, em tese, ter sido marcados.
O número em si já representa um espectro interessante e mais próximo da “realidade” quando analisamos algo extremamente influenciado por variáveis incontroláveis, uma delas sendo a sorte (ou falta da mesma). A existência de uma diagramação “profunda” das finalizações, então, se torna um plus. Nessas ilustrações geradas durante e após as partidas, o tamanho do quadrado/círculo reflete a probabilidade daquela tentativa se transformar em gol. Isso gera uma plataforma capaz de demonstrar aos atletas as áreas que criaram maior perigo ao adversário e as que o oponente tentou explorar.
É de métricas como essas que, quando expostas à prova do tempo (uma competição inteira, por ex.) e das circunstâncias (cada tipo de rival, mando de campo e etc, por ex.) surgem estudos sobre as zonas “quentes” e as zonas “frias” das quatro linhas. É de conhecimento amplo no mundo da análise de desempenho que a entrada da área consiste em um local de extrema importância para o ataque e a defesa. É a chamada “zona 14”, dominada pelo auge das equipes do Barcelona de Guardiola, ofensivamente, e pelo Atlético de Madrid de Simeone e o Burnley de Sean Dyche, defensivamente, para dar exemplos de realidades diferentes.
Mas claro, o espectador só “sai ganhando” se souber interpretar as informações e não cair no erro de tirar conclusões precipitadas sem colocar o contexto na equação. Estamos tratando de um jogo repleto de aleatoriedades e fatores intangíveis; ele não é jogado na tela de um computador – que serve apenas para colaborar na sua compreensão.
É importante ressaltar que o Expected Goals não leva em consideração a qualidade dos jogadores envolvidos em cada lance contabilizado. A probabilidade de 0.50 de certa finalização não significa a mesma coisa para Lionel Messi e Sergio Busquets – é indiscutível que o argentino teria boas chances de marcar e o espanhol nem tanto, e isso foge da visão “cru” do negócio.
De qualquer forma, esse KPI (Key Performance Indicator) é utilizado também para identificar atletas que estão overperforming ou underperforming. Ou seja, se a quantidade de gols marcados está acima ou abaixo dos valores consistentemente apontados pelo xG.
E disso você pode tirar suas próprias interpretações e colocá-las dentro do contexto que lhe convém. Um assistente e sua comissão técnica podem pegar os pontos do campo que estão resultando em maior probabilidade de gol e desenvolver treinos voltados para trabalhos específicos nessas áreas. Seja moldando suas peças para criarem superioridades em um local frágil para o adversário ou instruindo os defensores a se posicionarem em uma direção que bate de frente com as finalizações mais perigosas do oponente.
Olheiros, diretores e demais envolvidos em transferências têm a possibilidade de filtrarem bases de dados a fim de encontrar jogadores capazes de performar acima do esperado. Matthew Benham construiu seu patrimônio com a Smartodds, uma empresa de apostas que usava modelos matemáticos para prever resultados de futebol. Ele acreditava que isso poderia se transferir para o “mundo real” do esporte e adquiriu majoritariamente o Brentford e o FC Midtjylland, confiando nos números para gerar uma disrupção em suas respectivas competições.
O clube inglês ficou na 9ª colocação da League One (terceira divisão) na temporada anterior à compra, conquistando o acesso imediato em 13/14 e em 14/15 reestreando na segundona alcançando a 5ª posição. Nas campanhas seguintes, 9º, 10º, 9º, 13º e, há duas semanas, perdeu a final dos playoffs para o Fulham após terminar em 3º. De uma equipe que não ficava mais de um ano na Championship desde 1952 para uma estabilidade capaz de alavancar a reputação e o projeto. Batendo na porta da Premier League.
Com a agremiação da Dinamarca, o sucesso chamou ainda mais atenção: o primeiro título da liga nacional na história foi levantado em 2015 (outro em 2018) e, de lá pra cá, alguns momentos marcantes a nível continental – como o triunfo sobre o Manchester United no jogo de ida da fase de dezesseis-avos de final da Europa League 15/16. Treinadores podem desenhar previsões de possíveis (prováveis, eu diria) acontecimentos que alterem o rendimento – resultado concreto – de seu time.
Agora, dois cases vindo da elite da Inglaterra: Richarlison e Mason Greenwood.
Em 2017, o brasileiro começou a sua trajetória no Watford brigando por artilharia, mas depois passou meses sem marcar e terminou a temporada de estreia com 5 gols. Um número normal e quem acompanhava superficialmente não enxergava nada de diferente, mas a tabela de xG sempre indicou um atacante capaz de produzir e se envolver em chances de probabilidade alta com constância.
Parecia questão de tempo para ele engrenar novamente, além de que o simples fato de levar perigo à meta adversária já era de grande valor. Ele se transferiu para o Everton em 2018 e, desde então, foram duas campanhas com 13 gols na liga nacional. É o craque da equipe, convocado para a Seleção e cotado para alçar voos maiores na Europa.
Já o garoto do Manchester United nos apresenta o “outro lado” dos Expected Goals. Sendo o jogador sub-18 que mais vezes marcou em uma edição de Premier League desde Michael Owen, em 1997/98, claramente se trata de um fora de série. Foram 10 gols em 19/20 e sua habilidade na finalização é assombrosa; ele não precisa de muita coisa pra tirar um coelho da cartola e, quando você ainda está processando a jogada, o goleiro já está buscando a bola nas redes.
Seu xG, entretanto, foi de 3.35 – ou seja, ele o superou por 178%, anotando 6 ou 7 gols a mais do que o esperado pela métrica. É um problema? Apenas se quem está lendo os dados ignora a realidade do campo. Por isso a importância de sempre levar em conta o nível do atleta e demais circunstâncias. O inglês pode brecar esse overperforming a qualquer momento, mas não é como se estivéssemos falando de um atacante comum.
É inegável que tem potencial para quebrar recordes e se tornar uma referência, basta abrir os olhos e assistir às suas atuações. Então não é essa estatística que vai te fazer questionar o verdadeiro nível dele. Se alguém mais “normal”, como Krzysztof Piatek, por exemplo, está marcando sem parar e demonstrando uma diferença assustadora das previsões para os resultados, aí sim é possível levantar questões. Como aconteceu quando ele despontou no Genoa e aos poucos seu real patamar ficou claro.
No fim das contas, o jogo basicamente se concentra nesse núcleo de produção de chances e precisão na execução dos atos decisivos: a finalização e a forma que a combatem. E o Expected Goals é uma ferramenta que nos ajuda a quantificar, qualificar e entender esse processo.
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